quinta-feira, 10 de maio de 2018

➤Guga Chacra

Por que Irã e Israel são inimigos

Faz total sentido palestinos e israelenses serem adversários. Divergem sobre o status final de Jerusalém, os assentamentos na Cisjordânia, a questão dos refugiados e a incitação ao terrorismo. Mas qual o motivo de Israel e Irã serem inimigos? Quais exatamente são as disputas entre estas duas nações do Oriente Médio? Por que podem entrar em guerra?

A resposta é simples. Um dos pilares da ideologia da autodenominada República Islâmica é a narrativa contra os americanos. E, para o regime do Irã, Israel seria uma espécie de posto avançado de Washington no Oriente Médio.

A origem deste sentimento anti-EUA encampado pelos aiatolás na Revolução Islâmica de 1979 não teve sua origem em uma questão religiosa. Na verdade, os iranianos nunca perdoaram os EUA pelo golpe que resultou na queda em 1953 de Mohammad Mossadegh do cargo de premier de um governo eleito democraticamente dois anos antes.

O Irã, naquele momento, vivia um dos raros hiatos de democracia na milenar história desta nação que foi a Pérsia, uma das mais antigas civilizações da Humanidade. A CIA, com a ajuda do serviço de Inteligência britânico, simplesmente removeu um líder democrático do poder em Teerã. Para agravar, os EUA intensificaram o apoio à ditadura travestida de monarquia do xá Reza Pahlevi.

Durante o regime do xá, o Irã sem dúvida avançou econômica e socialmente. Mulheres não precisavam se cobrir. Teerã tinha uma vida noturna com bares e baladas famosos entre playboys europeus e americanos. Era uma das sociedades mais sofisticadas, abertas e intelectualizadas do Oriente. Talvez fosse mais cosmopolita do que Istambul e Beirute. Ao mesmo tempo, ofuscada por esta celebrada imagem “ocidentalizada”, Pahlevi reprimia com dureza os opositores através da sua selvagem polícia secreta, a Savak. Clérigos xiitas e opositores laicos eram perseguidos, torturados e mortos. Com o passar das décadas, a figura do xá se desgastou, especialmente entre os mais religiosos. Muitos o viam como um simples fantoche dos EUA.

O momento de ebulição foi a queda do xá e da influência americana na Revolução Islâmica quase quatro décadas atrás. A tomada da Embaixada dos EUA em Teerã pelos revolucionários, incluindo a manutenção de dezenas de americanos como reféns, simboliza perfeitamente o sentimento do Irã naquele momento. A imagem dos EUA se agravaria ainda mais quando Washington apoiou a ditadura de Saddam Hussein nos anos 1980 durante a guerra do Iraque contra o Irã, na qual o ditador iraquiano matou centenas de milhares de iranianos com armamentos americanos, incluindo um arsenal químico.

Neste contexto de sentimento anti-EUA, entra Israel. Na mesma época da Revolução Islâmica, os israelenses invadiram o Sul do Líbano para lutar contra milícias palestinas que lançavam operações contra o Norte de Israel. O problema é que esta área libanesa é uma das raras regiões de todo o Oriente Médio com maioria xiita. Os aiatolás, que são xiitas, decidiram armar esses libaneses para lutar contra Israel, formando o Hezbollah. E assim o sentimento anti-Israel se somou ao sentimento anti-EUA na narrativa dos aiatolás iranianos para se manterem no poder e como estratégia geopolítica.

Mas este discurso contra os EUA se reduziu parcialmente depois do Acordo Nuclear. O governo de Barack Obama não era visto como inimigo, apesar de haver discordâncias em temas como a Guerra da Síria, Hezbollah e Israel-Palestina. Contra Israel, no entanto, se agravou. O Irã intensificou o apoio ao Hezbollah no Líbano e estabeleceu bases militares na Síria.

O governo de Donald Trump, porém, fez a equação se alterar mais uma vez ao retirar os EUA do acordo com o Irã com apoio do premier de Israel, Benjamin Netanyahu. Esta medida talvez se some ao golpe contra Mossadegh, o apoio à ditadura do xá e o suporte a Saddam Hussein na Guerra Irã-Iraque, além da ocupação israelense do Sul do Líbano, como mais um episódio da narrativa anti-EUA e anti-Israel em Teerã, beneficiando a linha-dura do regime dos aiatolás e o Hezbollah no Líbano. Uma pena. Podia ter sido diferente.


Publicado no portal do jornal O Globo em 10/05/2018

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