O oportunismo da bancada da bala realmente impressiona.
Num momento em que o país vive uma grave crise de segurança, a escalada da
violência conduz o Estado do Rio de Janeiro a uma inédita intervenção federal —
a primeira desde a Constituição de 88 —, e a pauta do Congresso entra no vácuo
da retirada da reforma da Previdência, parlamentares aproveitam para dar mais
uma estocada no Estatuto do Desarmamento. Está para ser votado, possivelmente
ainda este semestre, projeto que flexibiliza a atual legislação, à medida que
amplia a concessão de licenças para cidadãos que querem ter arma em casa.
Bastaria não ter antecedentes criminais, ser aprovado em curso de tiro e em
teste psicotécnico. Hoje, é preciso comprovar junto à Polícia Federal “a
efetiva necessidade” do registro. Discute-se também um afrouxamento das normas
para o porte, ou seja, para que as pessoas andem armadas.
O deputado Alberto Fraga (DEM-DF), que deverá ser o
relator do projeto em plenário, defende a permissão para que as pessoas tenham
armas em casa, mas diz que apenas policiais deveriam usá-las nas ruas. Ora, o
argumento não poderia ser mais fantasioso. Será que alguém acredita que o
cidadão, uma vez autorizado a ter arma em casa, não vai levá-la para as ruas? E
quem fiscalizaria o cumprimento da regra? As mesmas autoridades que já não
conseguem conter a violência no país?
Está mais do que provado que quanto mais armas em
circulação, mais tiros, mais crimes e mais mortes. O Rio de Janeiro vive esse
inferno diariamente. Existem até sites especializados em informar onde há
tiroteios, que se contam às dezenas. Rajadas de metralhadoras se tornaram a
mais frequente trilha sonora nas comunidades da cidade. E tiros no varejo são
disparados a qualquer hora, em qualquer lugar. Ontem mesmo, uma tentativa de
assalto numa galeria comercial da Rua Professor Álvaro Rodrigues, em Botafogo,
terminou com um suspeito baleado por um segurança particular e quatro pessoas
feridas por disparos acidentais da arma de um PM.
A bancada da bala age na contramão do que acontece no
Brasil e em outros países. Até mesmo nos Estados Unidos, onde a venda de armas
é liberada, já se fortalecem movimentos favoráveis a um controle, especialmente
após mais um massacre, desta vez numa escola de Parkland, na Flórida, onde 17
pessoas foram assassinadas por um jovem de 19 anos que não teve dificuldades
para adquirir o fuzil AR-15 utilizado na chacina.
Alegam os críticos do controle de armas que o Estatuto do
Desarmamento, de 2003, não conseguiu reduzir o número de homicídios no Brasil.
Mas esta é uma meia verdade. Pesquisas mostram que eles teriam aumentado num
ritmo ainda maior não fosse a legislação. Segundo o “Mapa da violência”, o
Estatuto evitou 133.987 mortes entre 2004 e 2014. Ou seja, existem pelo menos
133.987 motivos para que ele seja preservado.
*Publicado no portal O Globo em 22/02/2018
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