A fome na Venezuela*
Dados sobre a falência do sistema de saúde e o
crescimento acelerado
da morte de crianças por fome são particularmente
chocantes
Há muito que notícias ruins vindas da Venezuela – que se
afunda cada dia mais em grave crise econômica, social e política provocada pelo
regime chavista – não constituem novidade. Viraram uma triste rotina. Mas os
dados sobre a falência do sistema de saúde e o crescimento acelerado da morte
de crianças por fome são particularmente chocantes. Esse é o lado mais cruel do
drama vivido pelo país, ao qual o presidente Nicolás Maduro e sua entourage
assistem impassíveis, preocupados apenas com a adoção de medidas destinadas a
se perpetuarem no poder.
A reportagem do jornal The New York Times que
descreve a situação foi minuciosamente preparada, ao longo dos últimos cinco
meses, com acompanhamento do dia a dia de 21 hospitais públicos de 17 Estados e
entrevistas com médicos que descrevem salas de emergência cheias de crianças
com desnutrição grave. Um quadro semelhante ao dos campos de refugiados,
segundo o presidente da Sociedade Venezuelana de Pediatria, Huníades Urbina
Medina. Pais de famílias de baixa renda deixam de comer para dar aos filhos a
pouca alimentação que conseguem, muitas vezes vasculhando latas de lixo, em
meio à penúria que só poupa os privilegiados militantes do chavismo, que têm
prioridade na distribuição dos cartões de racionamento.
O resultado desse quadro desolador – em que crianças
chegam aos hospitais com o mesmo peso de recém-nascidos, segundo depoimentos de
médicos – está expresso nas estatísticas macabras que o Ministério da Saúde
deixou escapar, apesar da vigilância do governo, que em represália demitiu a
ministra, Antonieta Caporale. Em 2016, morreram 11.446 crianças com menos de 1
ano de idade, um aumento de 30% em um ano. No último ano, foram registrados 2,8
mil casos de desnutrição infantil. Dessas crianças, morreram 400. A taxa de
mortalidade de crianças com menos de quatro semanas aumentou 100 vezes entre
2012 e 2015. Um número crescente de mulheres procura clínicas que fazem
esterilização para evitar dar à luz bebês que não podem alimentar.
Foi a essa catástrofe social, regida por uma ditadura
cada vez mais escancarada, que levou “o socialismo do século 21” prometido pelo
delirante “bolivarianismo” do ex-presidente Hugo Chávez, continuado por Nicolás
Maduro, e que ainda merece aplausos do PT e de Lula da Silva. O pior é que no
único setor em que consegue se sair bem – o da adoção de medidas para silenciar
a oposição e se perpetuar no poder – Maduro está a todo vapor. Depois de
neutralizar a Assembleia Nacional, na qual a oposição tem maioria, por meio da
eleição de cartas marcadas de uma dócil Assembleia Nacional Constituinte, que
absorveu seus poderes, o presidente e seus acólitos vêm tomando novas medidas
para ao mesmo tempo endurecer ainda mais o regime e fazê-lo durar
indefinidamente.
Em eleição feita sob medida para atender a seus
interesses – por isso contestada pela oposição –, da qual participaram apenas
47,32% dos eleitores, Maduro foi vencedor em 92% dos municípios, um número que
lembra irresistivelmente o das “vitórias” só possíveis em ditaduras.
Imediatamente, tomando como pretexto o fato de eles terem
se recusado a participar da farsa da eleição municipal, Maduro anunciou a
exclusão dos três principais partidos da oposição da disputa presidencial do
próximo ano: “Esse foi o critério que a Assembleia Nacional Constituinte
(composta apenas por partidários do regime) estipulou”. Ficarão fora da disputa
os únicos oposicionistas que poderiam vencer Maduro: Leopoldo López, do partido
Vontade Popular (VP); Henrique Capriles, do Primeiro Justiça (PJ); e Henry Ramos
Allup, do Ação Democrática (AD). “Eles desaparecerão do mapa político”, disse
Maduro.
Com isso, ele fecha mais uma possível porta de saída
política para a profunda crise em que está mergulhado o país, com crianças
morrendo de fome, inflação de 2.000% ao ano e repressão cada vez mais violenta
de todos os que ousam contestar o regime. Nada de bom pode esperar a Venezuela
da enrascada em que a meteu o chavismo.
*Publicado no Portal Estadão em 19/12/2017
Nenhum comentário:
Postar um comentário