‘In pectore’*
Eliane Cantanhêde
O ministro Alexandre de Moraes foi desde o início o nome
preferido do presidente Michel Temer para a vaga de Teori Zavascki no Supremo.
Podia até não preencher os critérios da opinião pública, mas preenchia todos os
critérios do próprio Temer: constitucionalista como ele, doutor pela USP,
professor universitário, livros publicados, cioso do equilíbrio entre poderes e
cuidadoso em matéria penal e em questões fiscais – algo fundamental em tempos
de reformas.
Temer deixou inflar o número de candidatos e a cada um
correspondia uma avalanche de críticas, enquanto ele avisava, conforme
publicado neste espaço em 31 de janeiro: “Se eu tiver de pagar um alto preço,
pago com o Alexandre”. Era uma senha: se fosse para apanhar com fulano ou
beltrano, ele nomearia – como nomeou – a sua opção in pectore.
Um sinal do favoritismo de Moraes foi que ele subitamente
se recolheu e ficou mudo, mas, quando Temer reforçou o Ministério da Justiça
com a Segurança Pública, ficou a dúvida: se reforçou, é porque não vai trocar o
ministro? Trocou, mas, antes, certificou-se de que os demais ministros
acatariam bem o nome de Moraes, consultou os presidentes da Câmara e do Senado
(que sabatina ministros do STF) e esperou Edson Fachin preencher a Segunda
Turma e abrir caminho para Moraes na Primeira, que não tem a ver diretamente
com a Lava Jato. O voto dele pesa, mas em plenário.
Além de falar demais, Moraes teve uma passagem
particularmente infeliz na Justiça, quando disse que Roraima não tinha pedido
ajuda federal e foi desmentido cabalmente pela governadora do Estado. Um
vexame, que potencializou as críticas a um ministro que carrega uma curiosa
ambiguidade: um currículo acadêmico exemplar e a imagem de superficial e
desengonçado ao falar.
O mais delicado, porém, são as circunstâncias políticas.
Moraes é filiado ao PSDB, foi secretário duas vezes nas gestões tucanas em São
Paulo e é do primeiro escalão do governo Temer, deixando a impressão de que
será uma extensão do Planalto no Supremo. Em sua tese de doutorado, como
mostrou o Estado ontem, ele defendeu que a indicação de ministros do STF fosse
vedada a quem exerça função de confiança do presidente, para evitar
“demonstração de gratidão política”. Esqueçam o que escrevi?
Uma comparação inevitável é com Dias Toffoli, que também
chegou jovem ao STF (42 anos, contra os 48 de Moraes). Ele foi advogado do PT
em três campanhas presidenciais, assessor da liderança do PT e da CUT e
advogado-geral da União com Lula. A diferença é que Moraes é considerado aluno
brilhante, enquanto Toffoli não tem mestrado nem doutorado e levou duas bombas
para juiz, antes de ir para a mais alta corte.
Assim como Toffoli, sete dos atuais ministros foram
indicados por Lula ou Dilma, menos Celso de Mello (Sarney), Marco Aurélio
(Collor) e Gilmar Mendes (FHC). Fachin, inclusive, apoiou publicamente a
campanha de Dilma. Ou seja, não se pode dizer que Moraes vá desequilibrar o
plenário... E mais: se os ministros indicados na era PT têm sido juristas e não
petistas nos julgamentos, mesmo no do mensalão, é esse apartidarismo que se
espera de Moraes. A ver.
Dos 28 nomes levados a Temer, um chegou a estremecer a
vantagem de Moraes, o do presidente do TST, Ives Gandra Filho, com apoio de
setores da Igreja Católica e das evangélicas, do empresariado, do tucanato
paulista. Excessivamente conservador, atraiu um turbilhão de críticas. E, como
avisou Temer, se é para pagar um alto preço com o candidato alheio, ele prefere
pagar com o seu próprio. Que, agora, precisa usar menos sua loquacidade, mais
seus conhecimentos jurídicos, e está como a mulher de César: além de ser
honesto e independente, ele também precisa parecer.
*Publicado no Portal Estadão em 07/02/2017
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