quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Crônica

Cuidado com o leitor voraz!

César Cabral*

As palavras são o que são e dizem o que querem. Usá-las bem é que é, muitas vezes, um grande problema. Eu faço o que posso e nem sempre como devo, mas, sim, do jeito que aprendi a colocar uma letra depois da outra, formar palavras, frases e dar sentido a esse modo de expressão.
As palavras têm formações e significados de acordo com o que explica a etimologia, como todo mundo sabe, como também a origem delas; as nossas palavras portuguesas, vêm de muitas outras línguas, sobretudo das latinas, gregas, árabes. As brasileiras ainda recebem a influência do espanhol e de dialetos africanos e do tupi guarani.
Mas não é sobre isso que pretendo escrever. Como já disse, isso todo mundo sabe. Quero tratar dos modismos e das bobagens que volta e meia alguém resolve usar uma palavra, ou com sentido torto, ou com sentido estapafúrdio.
Algumas dessas palavras são verdadeiramente horrorosas tanto pelo som que fazem como quando escritas. É certo que palavras entram e saem da moda como camisas, gravatas, sapatos e outras tantas coisas; eu sei! E há os sinônimos que servem para amenizar, aumentar diminuir, esconder o que se quer dizer na verdade e também para outras artimanhas que a nossa língua portuguesa permite.
Não fossem os sinônimos ainda estaríamos usando pundonor, no lugar de decoro, recato; e eu certamente estaria imaginando significar ser uma recatada e honesta dama mal cheirosa. Ou, quem sabe, num salão repleto de  elegantes cavalheiros e suas damas a soltarem puns de honra à destacada figura da sociedade, como se faz com taças de champanhe: tim,tim!
Existem muitas outras palavras horrorosas que, felizmente saíram de moda; de uso, seria melhor. Mas hoje temos outras tantas palavras, e até frases inteiras, mais insuportáveis porque a mídia – como se diz – ajuda a espalhar. Diferenciado (a), - com sentido de bom, especial, melhor – quando significa estabelecer diferença, - que pode inclusive ser para pior - pois é o particípio passado do verbo diferençar. Disponibilizar vem logo a seguir como coisa disponível. Protocolizá-lo é quase um código, mas é mais “chique” do que protocolar. Está num site de uma repartição publica: “...deve comparecer a unidade mais próxima para protocolizá-lo“.
Tem mais: apequenar. Essa é de uso exclusivo de políticos: “A Câmara não pode apequenar-se diante do STF!” Mas nenhuma outra é mais pavorosa do que repilo, que Renan Calheiros repetia com cara de quem é gente descente. Quem ouviu não esquece jamais!
Um jornalista que escreve uma coluna social com pitadas de politiquice inventou o “comboiado”. ”Zé das Couves é candidato a deputado federal “comboiado” pelo apoio de 18 prefeitos.” Não vou tratar de asneiras como “em situação de rua”, “em estado de vício”, ”minha casa própria”, “concurseiro”, “assim:” ou “então:” no início de uma resposta. ”Aí” vagando pelo meio das frases: “Vamos ver,aí,se dessa vez o congresso, consegue,aí, aprovar mais uma lei, proibindo,aí, todos os repórteres de rádio e televisão de usarem tanto essa palavra aí.”
Simpatizante eu sei o que significa; todos nós sabemos. Porém não consigo entender o que faz um simpatizante de gays e lésbicas, que são condições - e às vezes comportamentos exacerbados - de seres humanos e não escolha, defeito e menos ainda uma doença, como quer a igreja e outros trogloditas. Qual será a condição e o comportamento de um simpatizante do “movimento de gays, lesbicas e simpatizantes”? O que faz um simpatizante numa festa de gay? Ou de lésbicas?
Mas há uma frase que me faz sentir um pavor apocalíptico: “leitor voraz” quando querem dizer que o sujeito lê mais de um livro por mês; que lê muitos livros, que gosta de ler. Leitor, que poderia ter a ver qualquer coisa com leite, não fosse o que é, é quem me anima e para quem me dedico; conto sempre com eles. Entretanto, voraz é o que devora, que come com avidez, que não se farta, que gasta; destruidor consumidor. Que arruína, que aniquila. Que engole, traga, afunda, como me explica o dicionário. Penso logo em leões, jacarés, tiranossauros rex famintos. Matuto se é isso o que querem dizer “certos colunistas” ao se referirem a quem gosta de ler. Será uma retórica vesga ou um analogia capenga como as que faz o Lulla, o presidente da presidenta?
Em função da 59º Feira do Livro de Porto Alegre, os jornais, quase todos esses dias entrevistam leitores vorazes. Quando leio isso imagino um monstro peludo, de unhas compridas pintadas de azul. As orelhas empinadas feitas com orelhas de livros com algumas letras escorrendo pela carantonha. Os dentes, feitos de quatro navalhas de corte de aparas de guilhotina gráfica, não mastigam, cortam os livros em finas tiras; mais fácil para engolir. Os livros de capa dura, o leitor voraz junta as duas partes com uma das garras de unhas azuis e com a outra as separa do livro com violento estirão enquanto se houve o partir-se da linha da costura. E depois de cortadas em pequenos pedaços, as devora como se fossem biscoitos cream cracker fazendo croc, croc, croc.
Os livros de formato 14.8 X 21 cm e com até 200 páginas são devorados às dúzias, de cada vez; com duas ou três mastigadas ele engole em poucos minutos, no mínimo 50 exemplares.
Imaginei a feira da Praça da Alfândega sendo dizimada em poucos dias por tão somente 12 leitores vorazes. Pior ainda; um só leitor voraz invadindo minha pequena biblioteca e depois de fartar-se retirar-se satisfeito, lambendo algumas letras caídas de algumas páginas que ainda havia sobre as prateleiras das estantes. Numa delas, ainda inclinados, restavam três livros intactos. Menos mal, pensei quase contente, mas percebi que os livros deixados, intactos, eram os que eu escrevi. Nem mesmo um leitor voraz teve interesse por eles.

*Jornalista e escritor

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