Nexo zero
Uma das mais eficazes
maneiras de perder hoje o seu tempo é ler o que escrevem ou ouvir o que dizem
os “especialistas”. Problema de solução simples, então; bastaria ir se
desviando dessa turma, a cada vez que um deles passa pela sua frente, e
aproveitar o dia com alguma outra coisa, pois qualquer coisa será mais útil. É
fácil, claro, escrever artigos dando sugestões como essa. Mas como é que um
cidadão normal, hoje em dia, consegue evitar na prática um “especialista”, se
praticamente todas as pessoas a quem recorre para ficar melhor informado são
“especialistas”? É um problema e tanto. Como ocorria antigamente com os
comunistas, que estavam escondidos debaixo de cada cama do Brasil, ou mesmo do
mundo, agora quem está infiltrado em sua casa, pronto para saltar da primeira
gaveta, é o “especialista”. Você pode correr dele. Mas ele vai atrás de você.
O bioma natural do
“especialista”, digamos assim, é a universidade – mas o seu habitat preferido são as mesas-redondas de televisão, programas de rádio, entrevistas
de jornal e os textos ou vídeos que aparecem nas redes sociais. Não dá para
chegar perto de nada disso sem cair direto num “especialista”. Ele vai lhe
dizer, com segurança científica, o que significa qualquer coisa que esteja
acontecendo na calota polar, em São José dos Ausentes ou na face oculta da Lua
– e praticamente nada do que ensinar servirá para qualquer propósito útil. Em
geral é o pior tipo que alguém poderia procurar para tentar entender algum
assunto: ou não sabe nada sobre o que está falando, ou sabe alguma coisa, mas
não sabe explicar, ou expõe apenas os seus próprios desejos de que isso seja
assim ou assado. Especializam-se, no fundo, em ser “especialistas”.
No momento, e durante
ainda mais algum tempo, os “especialistas” estão nos explicando o que acontece
no Oriente Médio. Tem sido um clássico no gênero. O público foi
informado de que o presidente Donald Trump estava
praticamente começando a Terceira Guerra Mundial, que o Irã iria ganhar (ou já
ganhou) o conflito com os Estados Unidos e que, no fim, quem se deu bem mesmo
foi a tirania dos aiatolás. Não houve guerra mundial nenhuma – aliás, não houve
guerra nem entre os dois. Os iranianos continuam se matando apenas entre si
próprios e seus vizinhos e a ideia de que poderiam ganhar uma guerra nuclear
com os Estados Unidos foi adiada para um futuro ainda não determinado. Não se
trata de um momento pouco feliz dos “especialistas” – é assim mesmo que eles
são, em sua grande maioria, e na grande maioria dos assuntos sobre os quais
expedem os seus decretos. Já falaram, em outras ocasiões recentes, que o
ministro Sérgio Moro estava morto e enterrado depois das gravações roubadas de
suas conversas. Atribuíram a queda superior a 20% nos homicídios, em 2019, à
iniciativa dos homicidas, ou algo assim. Julgaram que o juro baixo era um
problema. Chegaram a dizer, para mostrar os perigos extremos de uma maior
liberalização na compra de armas, que o tiro de um fuzil de 5,56 milímetros podia
atravessar de uma vez só 12 pessoas colocadas lado a lado numa fila. Nexo?
Zero.
Daria para encher esta
edição de domingo, inteirinha, com as lições que recebemos de especialistas com
dois anos de experiência após a faculdade, de cientistas que jamais
escreveram uma linha sobre qualquer tema, de qualquer ciência, ou de juristas que
foram reprovados no concurso público para a magistratura.
Como dizia Oscar Wilde,
mais da metade da sua cultura depende daquilo que você não lê – e isso na época
dele, há mais de 100 anos, quando não havia ninguém escrevendo nas redes
sociais. Imaginem agora.
J.R. Guzzo
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