Eu nunca tive medo da censura. Agora tenho receio dessa
espada na cabeça
O que eu vou dizer do
Supremo? Eu entrei no jornalismo institucionalmente no Jornal do Brasil, em
1971, e nunca tive medo de censura, nem de busca e apreensão na minha casa,
para ver se eu estou ofendendo o poder Judiciário ou não. E agora a gente fica
com receio de dizer qualquer coisa por causa dessa Espada da Justiça que ficou
pendurada na cabeça da gente.
Ontem, o ministro Marco
Aurélio, que está no Supremo há 28 anos, disse que nunca viu isso. Eu também, e
olha que tenho quase 80 anos de idade. O ministro Marco Aurélio acha que é
censura, uma espécie de intimidação, que foi uma iniciativa do presidente do
Supremo achando que estão falando mal e fazendo ameaças ao Supremo. Então abriu
um inquérito.
O relator é o ministro
Alexandre de Moraes. Ele ordenou que fossem cumpridos oito mandados de busca e
apreensão, em São Paulo, em Goiânia e aqui em Brasília.
Oito policiais federais
foram à casa de um candidato ao governo de Brasília, o general Paulo Chagas –
que inclusive teve mais votos que o candidato do PT -, mas ele não estava em
casa. Tudo para examinar por que ele teria feito postagens criticando o
Supremo.
A procuradora-geral da
República, Raquel Dodge, pediu arquivamento disso, dizendo que não cabe, e que
não foi o Ministério Público que pediu esta investigação.
Na separação de poderes –
e nas diversas instâncias – a gente sabe que o Supremo é a corte
Constitucional. Não é um tribunal de primeira instância criminal/penal. No
entanto, essa ação é criminal/penal, que caberia bem em primeira instância – e
logo em seguida seria derrubada porque contraria a Constituição. A Constituição
que dá liberdade de pensamento, liberdade de imprensa, transparência,
publicidade no serviço público.
Tudo porque a revista
Crusoé, que é uma revista digital, publicou o que estava nos autos do processo
das delações do Marcelo Odebrecht quando foi perguntado sobre quem está sob o
código de “amigo do amigo de meu pai”, e ele disse que seria o Dias Toffoli. Na
época em que se investigavam esses episódios, Dias Toffoli era o advogado-geral
da União – ou alguma coisa assim. E isso só foi desentranhado do processo
depois que a Revista divulgou.
Então, há um juiz exigindo
que se investigue o vazamento e como isso chegou à revista. Mas eu estou
querendo saber como é que se tirou dos autos. Um quer saber como é que vazou, e
eu quero saber como é que não está mais nos autos, como foi desentranhado como
prova, e considerado, pelo próprio Supremo, fake news.
A espada da Justiça e o
medo de censura
Como eu disse: a
procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu arquivamento ao relator
Alexandre de Moraes. Mas o relator negou-se a arquivar. Em lugar disso, atendeu
ao pedido de Dias Toffoli de prorrogar por mais 90 dias essa investigação. Fica
sobre nós, jornalistas, a espada da Justiça.
Há divergências dentro do
Supremo, como a gente viu, na manifestação de Marco Aurélio. Há divergências
também dentro do Poder Judiciário, como se viu a manifestação da Raquel Dodge,
dizendo que o Supremo não seria o órgão legal e Constitucional para abrir o
inquérito.
O Supremo abre inquérito,
investiga, denuncia e julga. Será que isso está correto em uma democracia? Fica
tudo muito estranho.
As pessoas que foram alvo
de busca e apreensão também tiveram suas redes sociais bloqueadas. Vejam só
quantos direitos estão sendo bloqueados: as pessoas estão sendo bloqueadas pelo
fato de expressar opinião, pensamento. Está tudo muito estranho.
Essa questão dentro do
Supremo faz lembrar um dito popular, de Portugal, e não há como não fazer um
trocadilho sobre isso já que são 11 ministros no Supremo: Parece que nessa
coisa toda o Supremo está “se metendo em camisa de 11 varas”.
Alexandre Garcia
Gazeta do Povo