A verdadeira lógica da oposição
Quem acompanhou os
discursos dos deputados de oposição durante os debates da reforma da
Previdência na Câmara e esperava um mínimo de lógica e bom senso se frustrou. A
pobreza da argumentação e a sucessão de falácias usadas para votar contra as
novas regras previdenciárias ora despertavam raiva, ora gargalhadas. Ao fim,
funcionaram como bumerangue. A reforma foi aprovada por uma margem bem superior
à esperada, numa derrota histórica para a esquerda no Parlamento.
Não
é coincidência que os partidos de esquerda tenham saído tão queimados do
debate. PT, PSOL e Rede votaram unanimemente contra a reforma. No PSB e no PDT,
porém, os parlamentares rebeldes que votaram a favor chegaram a um terço do
total.
Símbolo
deles, a deputada paulista Tabata Amaral (PDT) tenta se apresentar como
representante de uma nova esquerda, avessa ao clima polarizado que tomou conta
do debate político. Arrisca ser expulsa do próprio partido por ter votado de
acordo com as próprias convicções, em desafio à orientação que ela própria
apoiou quando o PDT fechou questão sobre o assunto em março.
Diante
da argumentação pobre, falaciosa, incapaz de resistir aos fatos, é
compreensível que tal resistência tenha surgido. Duas entre as manobras
argumentativas se destacam, tantas vezes foram repetidas na tribuna. Primeira:
para justificar a afirmativa de que “a reforma é injusta, porque pune mais os
mais pobres”, repetiram um cálculo falacioso, que soma o impacto em todos os
benefícios do INSS.
Como
haverá cerca de 71 milhões de beneficiários afetados pelas mudanças no INSS
durante a próxima década, ante apenas 1,4 milhão de atingidos pelas no regime
do setor público, é natural que a soma do impacto de todos os benefícios seja
maior no INSS. Os deputados de esquerda incorreram num erro de argumentação
clássico: a falácia que toma o todo pela parte, conhecida como “falácia da
composição”.
O
que determina a justiça da reforma não é o custo coletivo dela para todos os
pobres, mas a comparação do impacto individual das mudanças para cada
beneficiário, seja o pobre que recebe pelo INSS, seja aquele que hoje se
aposenta mais cedo e terá de trabalhar mais para garantir seu benefício, seja o
funcionário público privilegiado.
O
custo médio para cada beneficiário do INSS foi estimado pelo governo em R$ 9
mil durante dez anos (menos de 6% do benefício mensal médio de R$ 1290). Para o
beneficiário do setor público, em R$ 141 mil (mais de 13% dos R$ 9 mil
mensais). Quem recebe salário mínimo terá na verdade um ganho, pois sofrerá
desconto meio ponto percentual menor na contribuição mensal. Pobres arcarão com
custo, é verdade, mas ele será proporcionalmente menor para quem recebe menos.
A
segunda manobra comum dos oposicionistas foi votar contra afirmando que “uma
reforma é necessária, mas não esta”. Sempre será possível encontrar defeitos em
qualquer proposta. Usá-los como argumento para votar contra só é legítimo se,
sopesando prós e contras, a mudança for para pior. Para avaliá-las, é preciso
fazer o balanço entre o custo para os afetados e os benefícios para os cofres
públicos.
Dada
a situação fiscal dramática – seis de cada dez reais dos gastos públicos já são
consumidos pelos gastos previdenciários, proporção que não cessa de crescer –,
a economia para os cofres públicos é urgente e tende a exercer pressão cada vez
maior sobre os atingidos. A espera de mais um ou dois anos para formular uma
nova proposta que se aproxime da ideal contribuiria, portanto, para agravar a
situação.
Adiar
a reforma poderia levar o Brasil a uma situação similar à da Grécia ou à de
Portugal, países onde foi necessário cortar aposentadorias já concedidas.
Diante da urgência e das dificuldades inerentes a qualquer negociação, é melhor
mexer no essencial, no possível hoje, do que esperar pelo ideal, pelo
improvável amanhã.
A
reforma aprovada em primeiro turno na Câmara resultou de uma ampla negociação
que já incorporou diversas propostas da oposição e degradou o impacto fiscal
almejado pelo governo. A defesa de uma outra constitui apenas pretexto para manter
o status quo.
Por
isso mesmo, a posição de parlamentares como Tabata desperta tanto interesse.
Trata-se de uma aposta noutro tipo de oposição e noutro futuro para a política
brasileira. É, contudo, uma aposta de risco e, se a história serve de guia, fadada
ao fracasso.
Política
não é o terreno da lógica, das convicções ou da moral. Nenhum dos deputados de
esquerda que defendeu absurdos lógicos ou lançou mão de manobras argumentativas
pedestres na tribuna pode ser tachado de estúpido ou ingênuo.
Há,
em tudo isso, uma estratégia clara: cabe à oposição fazer oposição, com o
objetivo de assumir o poder. Foi votando contra todas as iniciativas do governo
FHC que o PT se firmou como alternativa e alcançou a Presidência da República,
depois de anos de derrotas nas urnas. Foi também com provocações e desafios que
o presidente Jair Bolsonaro se projetou e conquistou popularidade.
A
polarização – entre “nós e eles”, “ricos e pobres”, “bandidos e gente de bem”,
“bons e maus” – é nociva para a implementação de reformas sensíveis como a
previdenciária, para a execução de políticas públicas e para a negociação
política inerente a qualquer democracia. Mas, no mundo todo, se tornou o meio
mais eficaz para conquistar o poder. É essa a única lógica da oposição.
Hélio Gurovitz
Portal G!
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