Alberto Bombig
Quem sonhava que Fernando
Haddad iria conduzir a esquerda brasileira a novos tempos e a
novos padrões políticos deve estar, no mínimo, constrangido ao assistir o
mergulho cego dele rumo ao populismo, ao proselitismo e ao radicalismo. Como
pagamento por ter sido sagrado candidato a presidente na vaga de Lula,
o moço da ciclovia abandonou o apelido de que tanto se orgulhava reservadamente,
o de ser o "mais tucano dos petistas" (por tirar dele a pecha de
radical que acompanha alguns petistas), e passou a comungar em público de todos
os dogmas do PT.
Em privado, Haddad gostava
de celebrar sua amizade com Fernando
Henrique Cardoso, com quem costumava ir à Sala São Paulo, e com
Geraldo Alckmin, que o livrou de apanhar ainda mais durante a rebelião das ruas
em 2013. Naquele tempo, então no cargo de prefeito de São Paulo, Haddad também
cultivava, sempre reservadamente, uma distância crítica da presidente Dilma Rousseff.
Não são poucos os interlocutores que ouviram dele cobras e lagartos sobre ela e
o governo dela. Um deles conta que, na eleição de 2014, Haddad chegou a
especular com mais de um aliado que a vitória de Marina Silva poderia ser
melhor para o País e para a cidade de São Paulo do que a reeleição de Dilma.
Mas eis que agora nos
deparamos com um Haddad diferente daquele que, nos meios acadêmicos e nas
pizzarias dos Jardins (bairro nobre de São Paulo), mantinha o tal
distanciamento crítico em relação às práticas pouco ortodoxas do PT e se gabava
de liderar a nova esquerda brasileira, uma esquerda "imaterial",
preocupada não apenas com a luta de classes, mas também com a mobilidade
urbana, com a questão de gênero e com o ambientalismo.
Desde que virou candidato
a presidente, após ter beijado o anel de Lula, Haddad tem se rebaixado ao que
há de pior no petismo: a recusa (patológica) em admitir erros, o populismo
descarado, construção de narrativas fantasiosas e a velha tática do nós contra
eles. Nessa toada, não hesitou em subverter o que disse Tasso Jereissati (PSDB) ao Estado.
Ao admitir erros do PSDB,
o tucano cearense jamais afirmou que o fracasso magnânimo do governo Dilma se deu
por conta do PSDB. Haddad deveria era ter se espelhando na
autocrítica de Tasso para responder a quem o pergunta sobre os erros de
seu partido. Em vez disso, preferiu a desonestidade intelectual de usar a
autocrítica e a clareza de Tasso para mascarar as mancadas de Dilma e do PT.
Para a militância petista,
isto não tem a menor importância, pelo contrário, os que tinham alguma
restrição a Haddad na igreja do PT agora deverão passar a venerá-lo também.
Porém, para quem tem o desafio de ampliar apoios num eventual segundo turno,
provavelmente contra Jair Bolsonaro (PSL),
e diminuir a rejeição do campo antipetista, essa inflexão radical de Haddad
pode se mostrar desastrosa. Sem falar no compromisso com a democracia e com
outros valores essências, como a verdade e a transparência.
O único traço que,
infelizmente, permanece autêntico no Haddad atual é o de um certo
autoritarismo, aquele olhar de cima para baixo de quem pensa "eu sei o que
é bom para vocês e pronto, acabou". Em entrevista ao "Jornal Nacional"
na sexta-feira passada, Haddad afirmou que não foi reeleito porque o povo foi
induzido a um erro. Para Haddad, o povo é apenas uma massa de manobra que, ora é
induzida ao acerto, quando vota nele e no PT, ora é induzida ao erro, quando
não consegue reconhecer suas inegáveis qualidades.
O moço da ciclovia
envelheceu 20 anos em menos de uma semana. Virou um político velho, fazendo uma
política velha, sem autocrítica e sem transparência, desperdiçando uma grande
chance de se contrapor de verdade ao radical Bolsonaro, aquele que nega a
história e não admite o contraditório.
Portal Estadão
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