segunda-feira, 17 de setembro de 2018

➤Análise

Haddad virou um político velho

Alberto Bombig

Quem sonhava que Fernando Haddad iria conduzir a esquerda brasileira a novos tempos e a novos padrões políticos deve estar, no mínimo, constrangido ao assistir o mergulho cego dele rumo ao populismo, ao proselitismo e ao radicalismo. Como pagamento por ter sido sagrado candidato a presidente na vaga de Lula, o moço da ciclovia abandonou o apelido de que tanto se orgulhava reservadamente, o de ser o "mais tucano dos petistas" (por tirar dele a pecha de radical que acompanha alguns petistas), e passou a comungar em público de todos os dogmas do PT

Em privado, Haddad gostava de celebrar sua amizade com Fernando Henrique Cardoso, com quem costumava ir à Sala São Paulo, e com Geraldo Alckmin, que o livrou de apanhar ainda mais durante a rebelião das ruas em 2013. Naquele tempo, então no cargo de prefeito de São Paulo, Haddad também cultivava, sempre reservadamente, uma distância crítica da presidente Dilma Rousseff. Não são poucos os interlocutores que ouviram dele cobras e lagartos sobre ela e o governo dela. Um deles conta que, na eleição de 2014, Haddad chegou a especular com mais de um aliado que a vitória de Marina Silva poderia ser melhor para o País e para a cidade de São Paulo do que a reeleição de Dilma.

Mas eis que agora nos deparamos com um Haddad diferente daquele que, nos meios acadêmicos e nas pizzarias dos Jardins (bairro nobre de São Paulo), mantinha o tal distanciamento crítico em relação às práticas pouco ortodoxas do PT e se gabava de liderar a nova esquerda brasileira, uma esquerda "imaterial", preocupada não apenas com a luta de classes, mas também com a mobilidade urbana, com a questão de gênero e com o ambientalismo.

Desde que virou candidato a presidente, após ter beijado o anel de Lula, Haddad tem se rebaixado ao que há de pior no petismo: a recusa (patológica) em admitir erros, o populismo descarado, construção de narrativas fantasiosas e a velha tática do nós contra eles. Nessa toada, não hesitou em subverter o que disse Tasso Jereissati (PSDB) ao Estado.

Ao admitir erros do PSDB, o tucano cearense jamais afirmou que o fracasso magnânimo do governo Dilma se deu por conta do PSDB. Haddad deveria era ter se espelhando na autocrítica de Tasso para responder a quem o pergunta sobre os erros de seu partido. Em vez disso, preferiu a desonestidade intelectual de usar a autocrítica e a clareza de Tasso para mascarar as mancadas de Dilma e do PT.

Para a militância petista, isto não tem a menor importância, pelo contrário, os que tinham alguma restrição a Haddad na igreja do PT agora deverão passar a venerá-lo também. Porém, para quem tem o desafio de ampliar apoios num eventual segundo turno, provavelmente contra Jair Bolsonaro (PSL), e diminuir a rejeição do campo antipetista, essa inflexão radical de Haddad pode se mostrar desastrosa. Sem falar no compromisso com a democracia e com outros valores essências, como a verdade e a transparência. 

O único traço que, infelizmente, permanece autêntico no Haddad atual é o de um certo autoritarismo, aquele olhar de cima para baixo de quem pensa "eu sei o que é bom para vocês e pronto, acabou". Em entrevista ao "Jornal Nacional" na sexta-feira passada, Haddad afirmou que não foi reeleito porque o povo foi induzido a um erro. Para Haddad, o povo é apenas uma massa de manobra que, ora é induzida ao acerto, quando vota nele e no PT, ora é induzida ao erro, quando não consegue reconhecer suas inegáveis qualidades.

O moço da ciclovia envelheceu 20 anos em menos de uma semana. Virou um político velho, fazendo uma política velha, sem autocrítica e sem transparência, desperdiçando uma grande chance de se contrapor de verdade ao radical Bolsonaro, aquele que nega a história e não admite o contraditório.

Portal Estadão

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