Se a Lei da Ficha Limpa vale o papel em que está escrita,
o ex-presidente Lula da Silva tornou-se na segunda-feira passada, oficialmente,
um “ficha-suja” – isto é, não pode ter sua candidatura a qualquer cargo eletivo
aceita pela Justiça Eleitoral, em razão de condenação judicial em duas
instâncias.
A ressalva sobre a validade da lei é necessária porque,
diante do atual comportamento errático do Judiciário, muitas vezes contrário à
própria Constituição, pode ser que a Lei da Ficha Limpa acabe sendo ignorada
nos tribunais superiores em favor do poderoso demiurgo de Garanhuns.
Em situação normal, a decisão da 8.ª Turma do Tribunal
Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4) de negar o derradeiro recurso da defesa
de Lula contra a condenação a 12 anos e 1 mês de prisão, por corrupção e
lavagem de dinheiro, enquadra o ex-presidente na Lei da Ficha Limpa, sem
qualquer sombra de dúvida. Conforme o texto da lei, são considerados “ficha
suja”, ou seja, inelegíveis, os que, como Lula, forem condenados por corrupção
e lavagem de dinheiro “em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão
judicial colegiado”. O órgão judicial colegiado, neste caso, é a 8.ª Turma do
TRF-4, composta por três desembargadores, que impuseram a Lula uma nova derrota
por 3 a 0.
Mas o País não vive uma situação normal. Nada garante que
criativos luminares da hermenêutica jurídica nos tribunais superiores permitam
que prevaleça uma interpretação marota da Lei da Ficha Limpa, sob medida para
Lula, tornando-a letra morta. Não é difícil imaginar tal desfecho. Basta
lembrar que o ex-presidente já poderia estar preso, mas continua livre e
verboso graças a uma heterodoxa decisão do Supremo Tribunal Federal, que lhe
concedeu generoso salvo-conduto, válido pelo menos até o julgamento de seu
pedido de habeas corpus, marcado para o próximo dia 4 – isso se nenhum ministro
pedir vista, postergando a conclusão do processo para as calendas.
É claro que os rábulas petistas apostam que os tribunais
superiores vão acabar se dobrando às suas chicanas, não apenas para manter Lula
fora da cadeia, mas também para viabilizar sua candidatura. A estratégia,
explícita, é embaralhar a interpretação da legislação de tal modo que o debate
jurídico se arraste até depois das eleições, quando então, imaginam os
petistas, haverá o fato consumado da vitória de Lula. “Tecnicamente, ele (Lula)
não está inelegível”, disse ao Valor o deputado e advogado petista Wadih Damous
(RJ), um dos protagonistas da defesa da presidente cassada Dilma Rousseff no
processo de impeachment. “Quem decreta (a inelegibilidade) é o Tribunal
Superior Eleitoral. Será uma situação muito interessante, com Lula vencedor no
primeiro turno, com milhões de votos, e o Poder Judiciário tendo de decidir se
impede a vontade popular.”
Mais uma vez, como já se tornou comum em sua história, o
PT lança um repto às instituições, em particular ao Judiciário. E essa
provocação é ainda mais escandalosa porque se dá no mesmo momento em que Lula
da Silva desfila pelo País a desafiar os juízes e promotores que ousam
condená-lo – um deles já foi qualificado de “moleque” pelo ex-presidente, que
se considera, nada mais, nada menos, que um “perseguido político”.
Como tudo o que tem envolvido essa epopeia burlesca de
Lula da Silva para se safar da Justiça, a tal “caravana” do ex-presidente –
oficialmente destinada a “perscrutar a realidade brasileira”, a celebrar “as
grandes transformações pelas quais o País passou nos governos petistas” e a
denunciar “o deliberado desmonte dos programas e políticas públicas de
desenvolvimento e inclusão social, que vem sendo operado pelo governo golpista
desde 2016” – não passa de uma farsa destinada a manter o condenado Lula em
evidência.
Como demonstração de força, contudo, a “caravana” tem
sido até aqui um completo fiasco, ganhando o noticiário apenas em razão dos
episódios de violência protagonizados tanto por petistas quanto por seus
antípodas. Assim, sem o povo ao seu lado, Lula joga todas as suas fichas na
fragilidade das instituições. Para o bem do País, ele não pode ganhar.
*Publicado no portal do jornal Estadão em 28/03/2018
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