William Waack
No dia em que Michel Temer organizou uma cerimônia para
lembrar seus dois anos de governo as atenções estavam em Nova York, na entrega
de um prêmio como personalidade do ano ao juiz Sérgio Moro. E na reprodução
incessante de um vídeo no qual uma corajosa mãe PM mata um bandido assaltante
na porta de uma escola na Grande São Paulo. Um símbolo perfeito para o estado
atual da política brasileira. O que o governo diz que tem para mostrar importa
pouco, muito menos nas eleições. Os heróis não são da política – ao contrário,
são os que resolveram passar as coisas a limpo.
Existe alguma comparação entre o que está acontecendo
agora e períodos que antecederam pleitos anteriores? As atuais são inéditas
numa feição da qual nem suspeitávamos ainda em 2014. Quanto ao clima
pré-eleitoral há, sim, alguma semelhança, como num espelho sujo, com 1989,
quando a votação teve lugar ao final de outro governo impopular, o de José
Sarney (que, como Temer, não tinha chegado lá pela disputa nas ruas), abominado
por quase todos os candidatos e incapaz de colocar a máquina pública a serviço
de qualquer deles.
Ao contrário de Sarney, que conduziu o País à
hiperinflação e à moratória, Temer tem alguma coisa para dizer que fez, mas não
há muita gente disposta a ouvi-lo. Ninguém liga a queda dos juros ou da
inflação ao nome dele. Muitos acham que a Petrobrás se recuperou sozinha do
desastre petista. O “legado” desse governo – mesmo uma equipe econômica na qual
se confia na competência – não constitui um fator eleitoral de peso.
Pois o que pauta a disputa política no momento são dois
grandes temas que fogem ao controle de um governo que, mais uma vez, veio a
público simplesmente para dizer que é menos pior do que se pensa. Um dos temas
é a questão muito mais abrangente da corrupção – em relação à qual a atual
administração é largamente considerada o que se pretende erradicar, e não
qualquer tipo de solução.
O outro é o da segurança pública, uma catástrofe nacional
que nos faz ter a esperança de que existissem milhares de cabos Katia Sastre, a
mãe PM que matou o bandido assaltante na porta da escola, defendendo outras
mães e outras crianças. Para a cabo Katia existem dezenas de exemplos de
Estados e polícias falidos, corrompidos e incapazes de enfrentar a expansão do
crime organizado que há tempos já penetrou o aparelho de Estado. Os
especialistas sabem que a resposta ensaiada pelo governo federal para situações
pra lá de críticas, como a do Rio, jamais trará soluções duradouras.
Arrisco-me a dizer que aos olhos de grande parte da
população o juiz Sérgio Moro, o paladino “solitário” na luta contra a corrupção,
e a mãe PM Katia Sastre, enfrentando sozinha o bandidão armado, formam uma
dupla de heróis que resolvem pelo empenho e coragem pessoais aquilo que
hierarquias, burocracias, aparatos, instituições – governos, partidos e os
políticos – não são capazes ou nem querem enfrentar.
Com o que chegamos ao que me parece realmente inédito nas
eleições que se aproximam. O controle da esfera da política é exercido hoje por
uma elite engajada de juízes, delegados, procuradores e figuras do STF. Elite
educada em boas escolas, que segue boas carreiras de Estado, com um difuso
propósito político-ideológico, além de saberem que eles sabem melhor do que
ninguém (pois tem a sociedade a apoiá-los) como deve ser o jogo da política –
fora a defesa mais ou menos exaltada de seus interesses corporativos, pois
ninguém é de ferro.
Inédito nessas eleições é o fato de que os políticos,
neste momento, são vistos como as figuras mais distantes daqueles valores que
realmente importam nas emoções e sentimentos de quem os elege: honestidade e
coragem.
Publicado no portal do Jornal Estado de São Paulo em
17/05/2018
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