segunda-feira, 21 de maio de 2018

➤Eleição na Venezuela

Quem tem carteira social foi
obrigado a votar em Maduro


A fila de eleitores na Escola Pedro Emilio Coll, em El Valle, região humilde de Caracas, era pequena, não mais de 15 pessoas esperando para votar. Já o número de agentes da Guarda Nacional Bolivariana (GNB) e membros da Milícia Nacional Bolivariana era expressivo, refletindo o rigoroso controle que o chavismo exerceu sobre o processo eleitoral. Cada vez que um eleitor entrava na escola, um miliciano — em sua grande maioria aposentados — se aproximava para indicar-lhe os passos a seguir. Votar na Venezuela chavista é um ato monitorado por funcionários civis e militares.

No caso de eleitores que recebem assistência do governo, esse monitoramento é aberto e nele ocupam um lugar central os chamados “pontos vermelhos” do governista PSUV (Partido Socialista Unificado da Venezuela), que o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) ordenou que não fossem instalados a uma distância inferior a 200 metros dos centros de votação. Para quem votou nessa escola de El Valle, bastava atravessar uma rua para encontrar o ponto vermelho — que em muitos casos eram barracas brancas ou identificadas apenas com uma bandeira da Venezuela — no qual deviam apresentar sua Carteira da Pátria (concedida pelo governo) e perguntar para que número de celular deviam enviar um torpedo confirmando a participação no processo.

A carteira é emitida desde 2016, quando, com a crise econômica, o governo passou a distribuir cestas básicas subsidiadas a cerca de 6 milhões de famílias por meio dos Comitês Locais de Abastecimento e Produção (Clap). O governo estimulou os beneficiários das cestas e outros serviços sociais a se registrarem para receber o documento, um cartão eletrônico. Antes da eleição, correram rumores de que os que apresentassem sua Carteira da Pátria nos "pontos vermelhos" receberia um bônus equivalente a US$ 12.

Medo é permanente
Com a ameaça implícita de perder benefícios sociais — entre eles sacolas de comida sem as quais muitas famílias venezuelanas, literalmente, morreriam de fome — os eleitores do governo deviam cumprir à risca os três passos. Votar, informar pessoalmente que votaram mostrando sua carteira patriótica e, por último, enviar um torpedo.

— Estou com tudo certinho aqui na bolsa, tenho todos os documentos e vou fazer o que nos pedem. Os riscos, caso contrário, são muito grande. Minha família não pode ficar sem ajuda do governo — comentou Adela, de 65 anos, que evitou dar seu sobrenome por temor a retaliações.

O medo está presente permanentemente na Venezuela. Medo de não votar e perder ajuda estatal. Medo de votar e que a situação nunca melhore. Medo de ser assaltado. Medo de que a crise se aprofunde e até mesmo de que a pouca ajuda dada atualmente se torne inviável.


Na Escola Fermín Toro, no centro, o cenário era o mesmo. Um ponto vermelho muito próximo do centro de votação e algumas pessoas se submetendo a todas as condições impostas pelo governo para evitar castigos. No país, fala-se em “voto assistido”, expressão que confirma que o voto deixou de ser livre e passou a ser uma ação de disciplina.

De acordo com dados da opositora Frente Ampla, cerca de 80% dos votos de ontem foram “assistidos”. A assistência, em muitos casos, começa na porta de casa, já que eleitores chavistas foram trasladados até os centros de votação com recursos estatais, denunciou o chavista crítico Nicmer Evans, do movimento Maré Socialista.

— A situação é ruim, mas pelo menos recebemos comida e, no meu caso, consegui minha primeira casa graças à Missão Habitação. Não quero perder o pouco que tenho — admitiu Jesus, servidor que votou no centro.


Agência Globo
Fotos: Reuters/Reprodução

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