Quem tem carteira social foi
obrigado a votar em Maduro
A fila de eleitores na Escola Pedro Emilio Coll, em El
Valle, região humilde de Caracas, era pequena, não mais de 15 pessoas esperando
para votar. Já o número de agentes da Guarda Nacional Bolivariana (GNB) e
membros da Milícia Nacional Bolivariana era expressivo, refletindo o rigoroso
controle que o chavismo exerceu sobre o processo eleitoral. Cada vez que um
eleitor entrava na escola, um miliciano — em sua grande maioria aposentados —
se aproximava para indicar-lhe os passos a seguir. Votar na Venezuela chavista
é um ato monitorado por funcionários civis e militares.
No caso de eleitores que
recebem assistência do governo, esse monitoramento é aberto e nele ocupam um
lugar central os chamados “pontos vermelhos” do governista PSUV (Partido
Socialista Unificado da Venezuela), que o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) ordenou
que não fossem instalados a uma distância inferior a 200 metros dos centros de
votação. Para quem votou nessa escola de El Valle, bastava atravessar uma rua
para encontrar o ponto vermelho — que em muitos casos eram barracas brancas ou
identificadas apenas com uma bandeira da Venezuela — no qual deviam apresentar
sua Carteira da Pátria (concedida pelo governo) e perguntar para que número de
celular deviam enviar um torpedo confirmando a participação no processo.
A carteira é emitida desde
2016, quando, com a crise econômica, o governo passou a distribuir cestas
básicas subsidiadas a cerca de 6 milhões de famílias por meio dos Comitês
Locais de Abastecimento e Produção (Clap). O governo estimulou os beneficiários
das cestas e outros serviços sociais a se registrarem para receber o documento,
um cartão eletrônico. Antes da eleição, correram rumores de que os que
apresentassem sua Carteira da Pátria nos "pontos vermelhos" receberia
um bônus equivalente a US$ 12.
Com a ameaça implícita de
perder benefícios sociais — entre eles sacolas de comida sem as quais muitas
famílias venezuelanas, literalmente, morreriam de fome — os eleitores do
governo deviam cumprir à risca os três passos. Votar, informar pessoalmente que
votaram mostrando sua carteira patriótica e, por último, enviar um torpedo.
— Estou com tudo certinho aqui na bolsa, tenho todos os
documentos e vou fazer o que nos pedem. Os riscos, caso contrário, são muito
grande. Minha família não pode ficar sem ajuda do governo — comentou Adela, de
65 anos, que evitou dar seu sobrenome por temor a retaliações.
O medo está presente
permanentemente na Venezuela. Medo de não votar e perder ajuda estatal. Medo de
votar e que a situação nunca melhore. Medo de ser assaltado. Medo de que a
crise se aprofunde e até mesmo de que a pouca ajuda dada atualmente se torne
inviável.
Na Escola Fermín Toro, no
centro, o cenário era o mesmo. Um ponto vermelho muito próximo do centro de
votação e algumas pessoas se submetendo a todas as condições impostas pelo
governo para evitar castigos. No país, fala-se em “voto assistido”, expressão
que confirma que o voto deixou de ser livre e passou a ser uma ação de
disciplina.
De acordo com dados da
opositora Frente Ampla, cerca de 80% dos votos de ontem foram “assistidos”. A
assistência, em muitos casos, começa na porta de casa, já que eleitores
chavistas foram trasladados até os centros de votação com recursos estatais,
denunciou o chavista crítico Nicmer Evans, do movimento Maré Socialista.
— A situação é ruim,
mas pelo menos recebemos comida e, no meu caso, consegui minha primeira casa
graças à Missão Habitação. Não quero perder o pouco que tenho — admitiu Jesus,
servidor que votou no centro.
Agência Globo
Fotos: Reuters/Reprodução
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