Eliane Cantanhêde
Muitos comemoram, muitos choram, mas não há o que
comemorar nem chorar na prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
homem com biografia vibrante, que saiu do horror da miséria, sacudiu num pau de
arara, virou o maior líder sindical da história recente, chegou à Presidência e
saiu dela com 80% de aprovação. Mas fez tudo o que fez ao chegar ao poder.
Para o ministro Gilmar Mendes, a prisão de Lula “mancha a
imagem do País”. Para a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, transforma o Brasil
numa “republiqueta de bananas” aos olhos do mundo. É verdade que há grande
mobilização das esquerdas brasileiras em defesa de Lula junto a governos,
líderes e sociedades. Mas não é verdade que Lula seja uma “vítima das elites”,
“um perseguido político”.
Assim como não se pode classificar de “golpe” o
impeachment da presidente cassada Dilma Rousseff, não se pode chamar de “golpe”
as sucessivas decisões que condenaram Lula a 12 anos e 1 mês de prisão.
Dilma se mostrou incompetente para gerir a política, a
economia e as contas do País e efetivamente fez as “pedaladas” – deixou de
transferir recursos do Tesouro para os bancos públicos pagarem os programas
sociais. Por quê? Para mascarar o rombo das contas públicas e, pior, continuar
gastando em ano eleitoral. É crime.
Quanto a Lula: a primeira condenação é pelo seu caso mais
simples, o do triplex do Guarujá, mas isso está inserido num contexto muito
mais complexo, que envolve várias outras ações, pelo sítio em Atibaia, pela
Operação Zelotes, pelo Instituto Lula... E, principalmente, pela evidência (até
pela fala do ex-ministro Antonio Palocci) de que Lula institucionalizou a
corrupção. Corrupção sempre houve, mas articulada e operacionalizada a partir
do Planalto e do Ministério da Fazenda?
O impeachment de Dilma seguiu todos os trâmites legais: o
Supremo definiu o rito, a Câmara votou em dois turnos, o Senado também, a
sessão final foi presidida pelo então presidente do Supremo. Tudo foi
transmitido ao vivo para a população, sem uma só restrição às liberdades
individuais.
E a prisão de Lula, por mais triste que seja, e é, seguiu
todos os trâmites legais: investigação da Polícia Federal, do Ministério
Público, da Receita, com julgamento em primeira instância, confirmada pelo
TRF-4 e após tanto o Superior Tribunal de Justiça (STJ) quanto o próprio
Supremo Tribunal Federal negarem o pedido de habeas corpus apresentado por
advogados de grande respeitabilidade.
Golpe? Que golpe? Lula apenas se tornou o foco e a
síntese de um intenso debate que divide o Supremo, o Planalto, o Congresso, os
partidos, os formadores de opinião e toda a sociedade brasileira. Deixar Lula
livre em nome de sua biografia e de seu prestígio internacional, ou prosseguir
firmemente num processo histórico de combate a uma corrupção estratosférica?
Deixar Lula livre em nome de não se criminalizar todo o sistema político, ou
manter o processo de depuração das instituições e dos quadros políticos? É
disso que se trata.
Essas questões remetem para o voto do ministro Luís
Roberto Barroso durante o julgamento no Supremo: um país não é justo quando
garotos pobres com um baseado de maconha são jogados nas prisões, mas ricos,
poderosos e famosos matam, roubam, corrompem e são corrompidos e nada acontece
com eles.
A presidente do PT defende o regime Maduro e acusa o
Brasil de “republiqueta de banana”, mas é exatamente o oposto. O que se
pretende é justamente que a justiça valha para todos e que o Brasil deixe de
ser uma republiqueta que massacra os pobres e endeusa os poderosos.
A prisão de Lula, aliás, é um aviso: quem comete crimes
que ponha as barbas de molho. Fim da farra.
*Publicado no portal do jornal Estadão em 06/04/2018
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