Imagine-se por um momento que o sr. Lula da Silva, mercê
de algum extravagante arranjo jurídico, pudesse não só permanecer em liberdade,
como também pudesse se candidatar à Presidência da República. Imagine-se ainda
que, nessa condição, o sr. Lula da Silva se elegesse presidente. O País viveria
então a insólita experiência de ser governado por um condenado à prisão por
corrupção em duas instâncias judiciais.
Vivêssemos em situação de normalidade institucional, em
que os tribunais superiores se limitassem a aplicar a lei e a zelar pelo
cumprimento da Constituição, evitando imiscuir-se em assuntos da política
partidária, tal hipótese sequer seria aventada. No entanto, considerando-se os
muitos fuxicos e mexericos que têm circulado sobre a disposição deste ou daquele
ministro do Supremo Tribunal Federal de providenciar o que Lula precisa para se
livrar da Justiça e, pior, habilitar-se a disputar a eleição, talvez seja o
caso de começar a tratar esse exercício de imaginação como uma possibilidade
real – com implicações que seguramente ultrapassarão, e muito, os limites da
política parlamentar.
Que o sr. Lula da Silva não é um condenado qualquer, isso
todos sabem. Trata-se de um líder político de incontestável importância, que
presidiu o País por dois mandatos e tem uma substancial base de apoio popular e
partidária que o torna um protagonista natural das disputas pelo poder. Mas ele
é inelegível, mercê do que fez para merecer condenação em duas instâncias
judiciais e dos efeitos automáticos da Lei da Ficha Limpa que, queiram ou não
meliantes ou juízes, faz parte do ordenamento nacional. Sua provável prisão
decerto não será recebida com indiferença, nem por seus fanáticos apoiadores,
nem por seus ferozes adversários. Pode-se antecipar um possível clima de
confronto, o que está fazendo com que autoridades estejam a estudar a melhor
maneira de fazer cumprir a ordem de prisão, quando for a hora. Portanto, não se
pode ignorar a comoção que a notícia da detenção de Lula poderá causar.
Nada disso, contudo, pode ser óbice a que a lei seja
respeitada. Lula da Silva foi condenado a mais de 12 anos de prisão por
corrupção, não cabendo mais falar em “presunção de inocência”. Seu destino,
como o de qualquer outro em sua situação, deve ser a cadeia – e as autoridades
que tomem as providências para que a ordem pública seja mantida quando o
demiurgo de Garanhuns for encaminhado para sua cela.
Contudo, a julgar pelo bulício entre os ministros do
Supremo nos últimos dias, pode aparecer um entre eles que afinal se disponha a
apequenar aquela Corte diante do sr. Lula da Silva, criando um casuísmo
destinado a favorecer o ex-presidente. Se houver uma revisão da decisão que
permitiu a prisão após a condenação em segunda instância, como querem os
petistas, estará dado o sinal verde para que Lula possa usufruir da tradicional
lentidão do Supremo e permanecer em liberdade e em frenética campanha. Mesmo
que não haja essa revisão e Lula seja preso, muitos apostam que o Supremo
rapidamente lhe dará um habeas corpus, multiplicando assim seu capital eleitoral
e sua capacidade de desafiar as instituições. Mais ainda: há quem diga que Lula
pode obter no Supremo permissão para registrar sua candidatura, a despeito do
que diz a Lei da Ficha Limpa.
Ou seja, nessa situação, estaria configurado um indulto
completo a Lula – e também, frise-se, uma autorização para que ele volte à
Presidência da República. Será então um presidente com mais de 20 anos de
prisão a cumprir, considerando-se os vários processos a que ele responde e dos
quais dificilmente se livrará.
Se o Supremo se prestar a esse papel, deflagrará uma
crise de inusitadas proporções. Seus ministros não podem se deixar intimidar
pela gritaria petista, muito menos fazer do Supremo um anexo do Instituto Lula.
O dever do Supremo, especialmente em uma hora grave como essa, é preservar a
solidez institucional, sustentáculo da democracia. Qualquer solução para o caso
de Lula que não seja o estrito cumprimento da lei e das próprias decisões
anteriores do Supremo poderá ser vista, em outras instituições e por grande
parte da Nação, como inconcebível genuflexão a interesses alheios aos do País.
Seria imperdoável irresponsabilidade.
*Publicado no portal do jornal Estadão em 16/03/2018
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