Ascânio Seleme
Para aqueles que gostam de julgar a Justiça, a decisão do
Superior Tribunal de Justiça sobre o habeas corpus do ex-presidente Lula é mais
um prato cheio. Ao negar por unanimidade o habeas corpus que queria impedir a
prisão de Lula depois
de condenado em segunda instância, a Quinta Turma do STJ abriu um flanco
para ser atacada pelos que não conseguiram até agora ver que o ex-presidente de
fato cometeu um crime ao aceitar favores da empreiteira OAS. O problema é que o
argumento de que Lula está sendo vítima de perseguição fica mais distante a
cada etapa judicial por que passa o processo.
Quando foi condenado em primeira instância, Lula, sua
defesa e seus aliados passaram a atacar o juiz Sergio Moro, a quem acusaram de
parcialidade, de aliança com a direita, etc. Depois de a sentença ser
confirmada e ampliada na segunda instância por três juízes, passaram a atacar a
corporação. E encontraram um parentesco de um ancestral do presidente do TRF-4
com um general que combateu em Canudos para “provar” a perseguição. Teve
aloprado que sugeriu que o Sul era fascista e por isso condenara Lula em
Curitiba e Porto Alegre.
O fato é que Lula foi condenado e deve ser preso, apesar
do “exército” do Stédile e das bravatas de Gleisi e Lindbergh. E,
paradoxalmente, esta prisão é ao mesmo tempo muito ruim e muito boa para o
país. Muito ruim porque Lula foi o presidente mais popular do Brasil e fez um
governo de inclusão que tirou milhões da pobreza. E, claro, porque prender um
ex-presidente nos coloca na categoria dos “fujimoris”. No mundo inteiro, há
apenas sete ex-presidentes condenados, seis cumprindo pena e um foragido. Para
a imagem do Brasil, é péssimo figurar nesta lista. Já nos basta estar entre os
mais-mais da corrupção global.
Mas também é bom ver um ex-presidente no cárcere porque a
Justiça brasileira finalmente prova que é dura e cega, como deve ser. Dura
porque não mitiga suas penas, e cega porque alcança a todos. Não era assim até
há bem pouco tempo. Mas hoje, além de Lula, há outros 26 políticos, empresários
e executivos condenados pela Lava-Jato. No Mensalão, 24 foram condenados.
Alguns, como José Dirceu, são reincidentes e receberam sentenças nos dois
escândalos.
Para ninguém dizer que Lula e só Lula é condenado, vale a
pena reler esta lista: José Dirceu, Eduardo Cunha, Roberto Jefferson, Sérgio
Cabral, Marcelo Odebrecht, Léo Pinheiro, Paulo Maluf, João Paulo Cunha, Bispo
Rodrigues, Delúbio Soares, José Genoíno, João Santana, Paulo Roberto Costa,
Nestor Cerveró, Antonio Palocci, José Carlos Bumlai, Gim Argelo... Estes são
apenas alguns nomes de pessoas condenadas e presas no Brasil. Algumas, como
Dirceu, aguardando recurso em prisão domiciliar, mas ainda assim condenados. E
há ainda outros grandes nomes, como Eike Batista, que passaram meses na cadeia
mesmo sem sentença.
Mais de 160 deputados e senadores foram condenados em
pelo menos uma instância na série de escândalos que assolam o Brasil nos
últimos anos. Alguns desses escândalos se perderam na memória, outros resistem
por causa de nomes como Sanguessuga, Anaconda, Satiagraha, Zelotes, Acrônimo.
Se o leitor entrar na Wikipédia e digitar “Lista de escândalos políticos no
Brasil” vai ver que o número só cresce. Nos anos 60 foram oito casos. Na década
seguinte, aparecem 17 casos. Nos anos 80 ocorreram outros 17. Nos 90 o número
pulou para 31. Na primeira década deste milênio, os escândalos mais do que
dobraram e chegaram a 64. E, finalmente, na década de 2010, que ainda tem três
anos pela frente, a Wikipédia registra 89 casos de corrupção no Brasil.
Já chega, não?
*Publicado no Portal do jornal O Globo em 07/03/2018
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