A sombra do lulismo*
O ex-prefeito da capital paulista Fernando Haddad, um dos
cotados para ser candidato à Presidência da República pelo PT no lugar de Luiz
Inácio Lula da Silva, disse que o lulismo sobreviverá ao chefão petista. Ou
seja, mesmo que o ex-presidente seja impedido de concorrer ao Palácio do
Planalto, na provável hipótese de que a lei se cumpra e ele pague pelos crimes
que cometeu e pelos quais foi julgado e condenado, o movimento político que
leva seu nome permanecerá vivo, segundo seus seguidores e também na opinião de
alguns especialistas.
Entre esses analistas, aliás, há quem considere o lulismo
superior até mesmo ao varguismo. Trata-se de um evidente exagero em mais de um
sentido, especialmente quando se comparam os efeitos duradouros das políticas
econômica, trabalhista e industrial do ditador Getúlio Vargas com o caráter
precário da “justiça social” promovida por Lula, cujos efeitos, festejados por
seus adoradores como seu grande legado, cessaram mesmo antes do fim da era
petista.
Ressaltados os evidentes limites do lulismo, contudo, não
se pode deixar de reconhecer que o movimento político que se atribui a Lula
certamente continuará a existir por um bom tempo mesmo depois que seu timoneiro
já não estiver em condições de atuar politicamente. E isso acontecerá não
somente porque Lula continuará tentando fazer política, mesmo que esteja atrás
das grades, mas principalmente porque, como disse Haddad, “são 40 anos de
Lula”, tempo mais que suficiente para consolidar o chefão petista como
referência no universo político e no imaginário popular.
Sendo assim, diante da inegável força de Lula e
considerando-se que seu movimento assombrará a eleição presidencial deste ano,
obrigando os principais candidatos a se posicionarem a respeito dele, é preciso
compreender do que se trata, afinal, o lulismo, e apontar seus efeitos nefastos
para a vida nacional.
O lulismo é a transformação de estratégias sindicais em
políticas de governo e projeto de poder. Lula nunca deixou de buscar exclusivamente
aquilo que era melhor para si mesmo e para seus apaniguados. Nesse sentido, os
fins sempre justificaram os meios, como estão aí a comprovar o mensalão e o
petrolão.
Não é um apartamento no Guarujá ou um sítio em Atibaia
que provam a corrupção de Lula. Esses são apenas alguns dos sinais exteriores
de uma relação absolutamente promíscua entre o chefão petista e aqueles que
foram cooptados por seu projeto patrimonialista de ocupação do Estado e
privatização do poder, tratando como inimigos todos os que não se submeteram ao
PT. Já os que aceitaram se associar ao empreendimento lulopetista foram
recepcionados como autênticos “companheiros” – José Sarney, Renan Calheiros e
Paulo Maluf, entre outros de igual naipe.
Lula nunca esteve preocupado com os trabalhadores em
geral, mas apenas com os seus trabalhadores, isto é, aqueles que estivessem
vinculados de alguma maneira à máquina sindical petista. Tampouco estava
interessado no desenvolvimento nacional sustentável, e sim nos ganhos dos
empresários amigos, encantados com o capitalismo sem risco oferecido pelo
lulismo e prontos a defender a todo custo seu grande líder e benemérito.
Com isso, o lulismo produziu a ilusão de que estava
realizando “justiça social” quando, na verdade, apenas aprofundava o fosso econômico
entre ricos e pobres. Enquanto procedia a uma brutal transferência de renda dos
mais pobres para os mais ricos, por meio de subsídios, incentivos e contratos
públicos, o lulismo concedia às classes desfavorecidas a ilusão do consumo.
Nunca antes “o pobre viajou de avião”, como jactou-se Lula, mas esse mesmo
pobre continuava a não ter saneamento básico nem educação decente.
Tudo isso revela o oportunismo que está na essência do
lulismo. Assim, se o lulismo sobreviver a Lula, como muitos preveem, que seja
para sempre reconhecido pelo que é: um movimento que aposta na ignorância
política e no vale-tudo para capturar o poder.
*Publicado no Portal Estadão em 30/01/2018
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