Sem preconceito*
Eliane Cantanhêde
Além das denúncias, da impopularidade e das quedas de
braço com a Justiça, o presidente Michel Temer está decidido a enfrentar
preconceitos e dar racionalidade aos debates sobre reforma da Previdência e
pulverização de ações da Eletrobrás. A “combinação” Embraer-Boeing pode pegar
carona na discussão. A ideia é resistir ao “não sei, não vi, não provei, mas
não gostei”. Não é inteligente, não é razoável e não leva o Brasil a lugar
nenhum. É preciso saber, ver, ouvir especialistas e versões divergentes para
ser a favor ou contra, ou a favor só em parte.
“Reforma da Previdência? Sou contra.” Por quê? “Porque só
prejudica os pobres.” Isso é efeito da campanha deseducativa, que finge estar
defendendo “os pobres” quando, na verdade, embute a defesa de privilégios das
carreiras mais bem pagas do Estado.
São elas, junto com partidos ditos de esquerda, que
operam contra a reforma, não para proteger a aposentadoria e pensões de
trabalhadores de baixa renda, mas sim aposentadorias de mais de R$ 30 mil de
algumas categorias – caso de juízes e magistrados. A reforma é justamente para
evitar que o sistema entre em colapso ao longo dos anos e a base da pirâmide –
que é quem efetivamente precisa de aposentadoria – acabe ficando sem ela.
Defenda-se a Justiça, não boquinhas como aposentadorias
milionárias de setores do funcionalismo, quando a grande maioria dos
trabalhadores tem um teto de R$ 5.700, ou como auxílio-moradia irrestrito para
juízes e altos funcionários dos três Poderes.
No caso da Eletrobrás, Temer e o ministro das Minas e
Energia, Fernando Coelho Filho, fazem tudo para fugir da palavrinha maldita,
“privatização”, e insistem que a intenção é pulverizar suas ações, arejá-la,
atrair investimentos privados, estender a ela a chance dada, lá atrás, à Vale
do Rio Doce, que passou a empregar nove vezes mais pessoas depois da...
privatização.
O governo diz que pretende manter ações e parte do
controle estratégico da empresa, num sistema “golden share”, mas a maior reação
no Congresso vem principalmente do Nordeste e de Minas, que recorrem a um
discurso “nacionalista” para disfarçar a importância da Chesf e de Furnas,
respectivamente, como generosos cabides de emprego para apadrinhados políticos.
Contra a reforma, o “interesse dos pobres”. Contra a modernização da
Eletrobrás, “o interesse nacional”.
Fernando Filho cita, objetivamente, um dado do
ministério: de 2004 a 2016, a União deixou de arrecadar em torno de R$ 165
bilhões por manter a Eletrobrás exatamente onde está, sem contar os grandes
valores que a União teve de despejar na companhia.
Quanto à Embraer: é um orgulho dos brasileiros, campeã
internacional no segmento de jatos executivos e produzindo aviões tanto para a
área civil como para a área militar. Empresa moderna, com técnicos
competentíssimos, especialmente após privatizada.
Temer já disse e repetiu que a União não vai abrir mão do
controle da Embraer. E a sueca Saab já enviou a Brasília um alto representante
alertando para a questão da transferência de tecnologia no jato Gripen para a
FAB, em parceria com a Embraer. De gabinete em gabinete, a Boeing garante:
qualquer acordo respeitará o controle da União e manterá a blindagem e a
autonomia do programa dos Gripen.
Enfim, não se trata aqui de fazer campanha pela reforma,
nem pela privatização (ou tenha lá que nome tiver) da Eletrobrás, nem pela
“combinação” (novamente, tenha lá que nome tiver) entre a Embraer e a Boeing.
Trata-se, sim, de defender um debate aberto, ponderado, maduro sobre o que é e
o que não é melhor para o Brasil e os brasileiros, agora e no futuro. Ou seja:
sem preconceito e sem dogmas que signifiquem apenas o atraso pelo atraso.
*Publicado no Portal Estadão em 30/01/2018
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