'Jus esperniandi'*
Eliane Cantanhêde
Afinal, o que vai ocorrer no dia 24 em Porto Alegre é um
julgamento, um carnaval, um circo ou, pior, uma guerra de guerrilhas? Quanto
mais o julgamento do ex-presidente Lula se aproxima, mais o TRF-4 parece
nervoso, as autoridades morrem de medo e os dois lados – anti-Lula e pró-Lula –
se comportam como se fosse tudo, menos uma decisão de Justiça, a confirmação ou
não da condenação em primeira instância.
Foi por isso que o presidente do TRF-4, desembargador
Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, fez uma maratona ontem em Brasília, desde
o encontro com a presidente do Supremo, Cármen Lúcia, até o da
procuradora-geral, Raquel Dodge, o do diretor-geral da Polícia Federal,
Fernando Segovia, e o do chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da
Presidência, general Sérgio Etchegoyen.
Vamos ao óbvio: qualquer ação contra Lula, na primeira,
segunda ou qualquer instância, mexe com os nervos das “torcidas” e gera temor
de quebra-quebra. E o TFR-4 é tratado como “muito pequeno” para uma decisão tão
importante. Quem queria estar na pele dos três desembargadores?
Óbvio, também, que ninguém admite ter discutido a
sentença do juiz Sérgio Moro, de mais de 9 anos de prisão para Lula, e muito
menos a disposição do TRF-4. O que todos dizem é discutir os aspectos externos:
a possibilidade de confrontos de rua, de perturbação da ordem pública.
“Perguntar a um desembargador sobre um julgamento seria
como exigir de vocês, jornalistas, o nome de uma fonte de notícia. Um absurdo”,
disse o general Etchegoyen, velho amigo de Thompson Flores, que almoçou com ele
no Planalto e saiu com um presente: o livro História da Segunda Guerra
Mundial, de Sir Liddell Hart.
Nem é preciso perguntar se Etchegoyen concorda com o
comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, que disse à repórter do Estado Tânia
Monteiro que pedir tropas para o julgamento do Lula é inconstitucional. Cá
entre nós, é também ridículo, já que se trata de uma questão da Secretaria de
Segurança Pública, além de as Forças Nacionais protegerem os prédios federais
em torno do TRF-4.
No caso de Cármen Lúcia: Thompson Flores relatou as
ameaças a desembargadores do caso Lula, já que ela preside também o Conselho
Nacional de Justiça (CNJ). Mas, objetivamente, o único recurso do CNJ seria
chamar a polícia! E o presidente do TRF-4 já foi direto à Polícia Federal. Já o
ministro da Justiça, Torquato Jardim, vai a Porto Alegre nesta sexta-feira,
para encontros com o governador e o prefeito, e “vai aproveitar” para conversar
com o desembargador no TRF-4, que, como se vê, se cerca de todos os lados.
Apesar de toda essa maratona, a expectativa parece pior
do que a realidade. Durante o julgamento, vai haver manifestações em Porto
Alegre, na Avenida Paulista e em outras capitais. O PT e seus braços, tipo
MTST, convocam os atos pró-Lula. Os adversários tentam concorrer com os
anti-Lula. É do jogo. Desde que o jogo não descambe para batalha campal.
Depois, com Lula condenado ou com Lula absolvido, o mundo
não vai acabar, o Brasil não vai parar, tudo vai continuar como está. E o lado
perdedor vai chiar. Confirmada a sentença de Moro, como apostam os meios
jurídico e político, os petistas vão reclamar, criticar, xingar. Ok. Também faz
parte do jogo.
Haverá mil e uma versões sobre perseguição das elites,
continuidade do “golpe”, essas bobagens que não dizem respeito à Justiça. Mas
isso não significa guerra nem atentado à democracia, só o velho “jus
esperniandi”, que vale também para o outro lado. E, na Quarta-Feira de Cinzas
deste carnaval, começa uma outra folia: a dos recursos. Resta saber até quando
a candidatura Lula aguenta essa rebordosa.
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