Jus sperneandi*
Imagine o leitor um réu que, sabendo-se inocente, tenha
sido condenado em primeira instância a uma pena de 9 anos e 6 meses de prisão
pela prática de graves crimes, como corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Em
um país constituído sob a égide do Estado Democrático de Direito, como é o
Brasil, é de esperar que o réu recorra da decisão de primeiro grau que o
condenou injustamente e conte com a celeridade do tribunal no julgamento de seu
recurso, esperando que o reexame dos autos faça o colegiado corrigir uma
sentença manifestamente arbitrária.
A célere tramitação do recurso seria ainda mais vital se
o réu do caso em tela fosse um ex-presidente da República com a manifesta
intenção de voltar a concorrer ao cargo máximo do Poder Executivo nacional nas
próximas eleições, porque “só quem salvou o Brasil uma vez pode salvar o Brasil
de novo”. Portanto, a indefinição jurídica quanto à sua candidatura em nada
ajudaria, tanto o país que precisa de “salvação” como o próprio candidato que
teria sido vítima de uma “injustiça”.
Evidente que esta seria a conduta de alguém
verdadeiramente contagiado pela indignação dos inocentes e motivado pelas mais
nobres intenções em relação ao destino de seu país. Mas como se trata do sr.
Lula da Silva, como já percebeu o leitor, que já deu mostras mais do que
suficientes de que tudo e todos que se interpõem entre ele e seus objetivos
particulares não passam de obstáculos a serem transpostos a qualquer preço, não
é esse o caso.
Assim, não chega a surpreender a manifestação do advogado
Cristiano Zanin Martins, que defende o ex-presidente e, por óbvio, deveria ser
um dos maiores interessados em ver seu recurso julgado rapidamente. Por meio de
nota, Zanin Martins afirmou que irá solicitar ao Tribunal Regional Federal da
4.ª Região (TRF-4) esclarecimentos sobre as razões pelas quais o recurso
interposto em favor de seu cliente “está tramitando nessa velocidade, fora do
prazo médio observado em outros casos”. Ele e seu cliente devem ser os únicos
adeptos de uma justiça tardia e falha no Brasil, um raro caso em que a
celeridade da Corte de apelação não é do interesse da parte recorrente.
A esta altura já está claro que a estratégia do sr. Lula
da Silva é postergar o máximo que puder uma decisão judicial colegiada que,
caso confirme a condenação em primeira instância, pode torná-lo inelegível pela
Lei da Ficha Limpa, frustrando a sua candidatura.
O jus sperneandi, portanto, serve a dois propósitos:
constranger o Poder Judiciário a ouvir a chamada “voz das ruas”, que a dez
meses das eleições dá ao sr. Lula da Silva uma liderança meramente ilusória na
corrida presidencial, e manter acesa a chama da militância petista, cuja mobilização
será fundamental no caso de o demiurgo de Garanhuns ver-se realmente impedido
de se candidatar, transferindo o apoio que recebe de sua base cativa para outro
nome, seja do PT ou de outro partido.
A celeridade do julgamento do sr. Lula da Silva no TRF-4,
marcado para o dia 24 de janeiro – antes, portanto, do prazo legal para o
início da campanha eleitoral –, já é explorada politicamente pelo ex-presidente
e por seus defensores como um “instrumento de perseguição política”, o
chamado lawfare, ainda que o voto do relator do caso na 8.ª Turma do
tribunal de Porto Alegre, o desembargador João Pedro Gebran Neto, seja
desconhecido.
A marcação da data do julgamento do recurso interposto
pelo ex-presidente apenas antecipou uma anunciada lenga-lenga jurídica que, a
julgar pelo comportamento do réu e de seus defensores, se presta a um desígnio
político-eleitoral – manter o petista em condições de influenciar o debate
eleitoral –, e não ao fim a que se destina, a defesa jurídica do ex-presidente.
A realidade fática não é favorável ao ex-presidente Lula
da Silva. Não lhe resta alternativa para manter-se vivo como figura política
influente no cenário eleitoral a não ser construindo o mundo paralelo onde sua
“inocência” se sustenta por crenças, não por provas.
*Publicado no Portal Estadão em 19/12/2017
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