Lula radicaliza no Nordeste*
Nas cidades que percorreu - cerca de 25 -, ex-presidente
falou a um
público que esteve sempre longe de ser considerado uma multidão
“A urna não é
lugar para se colocar ódio. A urna é lugar para se colocar esperança.” Com
frases edulcoradas como essa, que a rigor não dizem coisa nenhuma, mas são
perfeitas quando o objetivo é conquistar aplausos e votos, Luiz Inácio Lula da
Silva concluiu seu périplo pelo Nordeste, região que considera seu reduto, onde
passou três semanas exercitando a candidatura à Presidência da República. Nas
cidades que percorreu - cerca de 25 -, falou a um público que esteve sempre
longe de ser considerado uma multidão, demonstrando que doravante radicalizará
a pregação da divisão dos brasileiros e, consequentemente, sua visão excludente
do poder: “Um presidente da República deve ter muito claro para quem governa”.
A excursão foi parte da estratégia lulopetista de
reconquistar o prestígio popular do PT e de seu grande líder depois dos efeitos
devastadores do impeachment de Dilma Rousseff e das investigações da Operação
Lava Jato, que culminaram com a condenação de Lula à pena de prisão. Diante da
necessidade de colocar Lula em contato com o povo, a escolha do Nordeste,
região em que o lulopetismo sempre se saiu melhor nas urnas, era a decisão
óbvia. Mas os tempos mudaram e a experiência só não resultou num grande
fracasso porque organizações como a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e o
Movimento dos Sem-Terra (MST) patrocinaram encontros em recintos fechados, com
escassa capacidade para receber público. Houve também a precaução de programar
boa parte dos eventos para ambientes onde não havia a possibilidade de ocorrer
manifestações de oposição.
Não foi possível evitar, contudo, o constrangimento de
algumas homenagens a Lula, como a entrega de títulos de cidadania e de
doutorado honoris causa, terem provocado protestos e controvérsias a ponto de,
em alguns casos, os organizadores do PT serem obrigados a cancelar os eventos.
Igualmente constrangedores para os petistas foram os episódios que envolveram o
relacionamento de Lula com velhos caciques políticos do Nordeste, como o
maranhense José Sarney e o alagoano Renan Calheiros.
O ex-presidente declara-se amigo pessoal de ambos, mas
foi obrigado, por razões políticas, a dar tratamento a um e a outro. Calheiros,
na tentativa de garantir a hegemonia política de seu grupo em Alagoas, onde seu
filho é governador, aderiu abertamente a Lula desde que se incompatibilizou com
seu partido, o PMDB, e agora se proclama “esquerdista”. Foi publicamente
prestigiado pelo ex-presidente. Já um velho amigo e aliado de Lula, José
Sarney, foi mantido à distância durante toda a programação no Maranhão, pois ao
PT local interessa a aliança com o governador Flávio Dino, do PCdoB, que concorrerá
à reeleição e tem entre os maranhenses muito mais apoio do que o PT.
Em se tratando de Lula, para quem coerência política é
luxo a que só podem se dar os “políticos sem voto” - referência provocativa que
tem feito aos ex-petistas que hoje militam em pequenas legendas de esquerda e
assumem postura crítica ao PT -, não surpreendem os malabarismos praticados no
contato com as mais diversas lideranças políticas com quem foi obrigado
conviver no périplo nordestino. O que chama a atenção é sua revigorada ousadia
de contrariar as mais óbvias evidências quando se dispõe a descrever, em
benefício próprio, a realidade brasileira. Conforme repetiu várias vezes ao
pregar a convertidos no Nordeste, enquanto o PT estava no poder, “o Brasil
estava bom”. Era “protagonista internacional” e havia deixado de fazer parte do
“mapa da fome”. Mas após o que “eles” armaram para sua pupila Dilma, “o Brasil
está tão ruim”. Continua: “Eles não dizem que a Dilma era a culpada? Então,
porque eles não consertam o Brasil?”. E arremata, triunfante: “Nós sabemos
consertar esse país”. Sabem mesmo. Afinal, a tigrada roubou o quanto pôde e
ainda deixou o Brasil mergulhado na maior recessão de sua história.
*Publicado no Portal Estadão em 08/09/2017
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