Um Macron tupiniquim?*
Polarização Lula-Bolsonaro abre uma vistosa
avenida ao
centro para 2018
Eliane Cantanhêde
A disparada do
deputado Jair Bolsonaro para o segundo lugar da corrida presidencial, com 15%
no Datafolha, é uma boa notícia para a direita, mas é melhor ainda para a
esquerda. Assim como o ex-presidente Lula bateu nos 30% históricos do PT,
Bolsonaro tende a bater rapidamente no teto da extrema direita e é o adversário
que qualquer candidato pediu a Deus. Sem liderança, sem credenciais, sem
propostas e sem ovelhas como as de Lula, arrisca-se a despencar do palanque ao
primeiro sopro.
Num improvável segundo turno entre Lula e Bolsonaro, o
grande eleitorado de centro vai votar nulo ou tapar o nariz ao optar por quem é
réu cinco vezes (por enquanto) ou quem representa o que há de mais retrógrado
na política e na sociedade brasileira. Parece o fim do mundo, mas não vamos
esquecer que o Brasil é um país de centro, seus cidadãos estão cada vez mais
politizados e a polarização Lula-Bolsonaro abre uma avenida de oportunidades
para um nome que não esteja atolado na Lava Jato nem seja um franco-atirador
que remeta mais ao passado e à ditadura do que projete um futuro de renovação
da política e das relações entre público e privado.
Muito se fala de Lula, que saiu de um casebre miserável,
sacudiu num pau de arara até São Paulo, virou o maior líder de massas da
história recente e o presidente mais popular, mas jogou tudo isso fora ao cair
desavergonhadamente nos braços do grande capital, enquanto encenava o defensor
dos pobres. Surgir nas delações de Marcelo Odebrecht com uma conta de R$
40 milhões na empreiteira para usar a seu bel-prazer é arrasador.
Mas pouco vem se falando de Bolsonaro, um produto mais
sociológico do que político. Quem se encanta com sua candidatura se identifica
com posições contra os direitos e a independência das mulheres e dos gays e
contra a importância da política e da democracia. E como garantiria a
governabilidade, as relações com o Congresso, a participação de uma sociedade
plural? Como administraria uma economia ainda recolhendo os cacos? Como se
relacionaria com um mundo cada vez mais complexo?
Não é preciso nenhuma pesquisa para saber o tamanho do
estrago da Lava Jato sobre a imagem de Lula, que se equilibra entre 30% de
intenção de voto e 45% de rejeição, e de Aécio, que envelheceu na política com
uma rapidez estonteante. Mas há dúvidas sobre Alckmin e Marina Silva, por
exemplo, e sobre o fator Temer. E há João Doria...
Se há uma ameaça de fato à maior operação de combate à
corrupção no Brasil e no mundo, é Lula e Aécio em 2018 e, principalmente, Lula
eleito. Ele é o centro das investigações, pessoalmente atingido por sítios,
triplex e contas ilegais e apontado como cérebro da corrupção
institucionalizada, logo, sua vitória seria a derrota da Lava Jato. E como
imaginar o trabalho monumental do MP, PF, Receita e Justiça desembocando num
Bolsonaro, num novo Chávez?
Nenhum analista via Donald Trump com chances reais e lá
está ele decidindo se ataca ou não a Coreia do Norte. De outro lado, todo o
mundo assustava-se com a família Le Pen na França e eis que surge, pelo centro,
Emmanuel Macron.
Aqui, tudo também pode acontecer. Depois de estar à beira
da depressão econômica, derrapar na depressão política e afundar na depressão
moral, o Brasil precisa levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima. Não
será com um Trump tupiniquim, um Chávez falando português, um candidato que
traz de volta os piores fantasmas nem um que seria um escárnio com a Lava Jato.
Há uma avenida aberta ao centro e não se descartem Fernando Haddad e Doria, mas
quem está sem identidade ou quem joga na rua as flores de uma boa causa ainda
não mostrou condições de virar o Macron brasileiro.
*Publicado no Portal Estadão em 02/05/2017
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