Convulsão
Eliane Cantanhêde
É hora de alguém soprar um velho conselho ao ouvido do
presidente Michel Temer: “Devagar com o andor que o santo é de barro”. Quando
tudo parecia melhorar, com as presidências da Câmara e do Senado na mão,
inflação e juros caindo, arrecadação subindo, o PMDB e Temer se animaram,
superestimaram a própria força e passaram a agir como se não devessem
satisfações a ninguém, nem à opinião pública. Errado.
Desprezando os outros 27 candidatos, Temer lançou o
ministro tucano Alexandre de Moraes para julgar a Lava Jato no Supremo. Até aí,
tudo bem, porque Fernando Henrique e Lula, por exemplo, indicaram ministros que
tinham cargos em seus governos. Afora um muxoxo estudantil ou outro, Moraes vem
sobrevivendo aos corredores poloneses: os futuros colegas, associações do mundo
jurídico e os principais partidos assimilaram bem a escolha.
Temer, porém, errou duplamente com Moreira Franco: ao não
nomeá-lo ministro no início do governo e ao nomeá-lo ministro três dias depois
da homologação das delações da Odebrecht, em que é citado mais de 30 vezes. A
dedução lógica é que foi para livrar Moreira do juiz Sérgio Moro e acomodá-lo
no foro privilegiado, e mais confortável, do STF. Um juiz do DF suspendeu a
nomeação, a Advocacia-Geral da União (AGU) suspendeu a suspensão, uma juíza
suspendeu a suspensão da suspensão.
Resultado: Temer comprou uma briga com a Justiça, atraiu
um desgaste político desnecessário e corre o risco de engolir uma doída derrota
hoje, caso Celso de Mello vete a ascensão de Moreira a ministro, tanto quanto
Gilmar Mendes impediu a posse de Lula na Casa Civil de Dilma para – como se
imaginava – ganhar foro privilegiado. Ok, a AGU alega que, como Moreira já
estava no governo, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Cola?
Para piorar, o PMDB indicou por aclamação o senador
Edison Lobão para presidir a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que vai,
entre tantas outras coisas, sabatinar Moraes para o STF. Lobão foi ministro de
Minas e Energia de Lula e Dilma, exatamente quando a Petrobrás esfarelava, e é
alvo de quatro inquéritos no STF, dois deles relacionados à Lava Jato.
É um escárnio o partido do presidente da República
colocar alguém assim na CCJ, num momento explosivo. E mais: a vitória de Lobão
confirma que Renan Calheiros continua mandando no Senado a partir da liderança
do PMDB. O desgaste é do Congresso, mas respinga no Planalto. E, diferentemente
de Renan, Temer tem muito a perder com lances audaciosos.
Para piorar, a PF apontou indício de corrupção do
presidente da Câmara, Rodrigo Maia, do DEM do Rio, personagem central para a
aprovação de medidas essenciais na retomada do crescimento econômico, a começar
da reforma da Previdência e da flexibilização trabalhista – que, aliás, ganhou
impulso ontem na própria Câmara. Com a CCJ do Senado nas mãos de Lobão e a
Câmara presidida por um alvo da PF, o que se esvai é a credibilidade dos
agentes das reformas.
Por falar em Rio, que coisa, hein? Massacres em Manaus, Boa
Vista e Natal, o colapso da segurança pública no Espírito Santo, a ruína do
Rio, a prisão de dois ex-governadores do estado (Garotinho saiu, Cabral
continua preso)... Não bastasse, a justiça eleitoral mandou cassar Luiz
Fernando Pezão (do PMDB!) e seu vice, Francisco Dornelles, enquanto a PM e
manifestantes transformam a Cidade Maravilhosa em campo de batalha.
A sensação geral é de desmando, de fim de uma era, e
Temer deveria ser menos autoconfiante e concentrar energias na recuperação da
economia e na escolha de um ministro da Justiça acima de qualquer suspeita, que
não irrite ainda mais a opinião pública. Cuidado com o andor e com o santo. O
momento não é de audácia, é de prudência.
*Publicado no Portal Estadão em 10/02/2017
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