Oceano de ‘eficiência’*
Eliane Cantanhêde
Não se trata de ironia do destino, mas de uma
coincidência dramática: enquanto a Polícia Federal procurava Eike Batista por
mais um esquema criminoso do ex-governador Sérgio Cabral, o atual governador
Luiz Fernando Pezão assinava em Brasília os termos do socorro federal para o
falido Rio, onde funcionários estão sem salários e cidadãos e empresas serão
chamados a contribuir com mais impostos. Cabral rouba, o Tesouro cobre e, no
fim das contas, pessoas físicas e jurídicas pagam a conta.
A força-tarefa da operação “Eficiência” definiu o
patrimônio ilícito de Cabral como um “oceano”, mas o Estado virou um mar de
lama, os fluminenses vivem num mar de lágrimas e, se há alguma ironia nessa
história, é que justamente o vice de Cabral, depois seu sucessor, é quem bate
de porta em porta em Brasília para segurar a onda em que o Rio se afoga.
As metáforas não são por acaso, já que o verdadeiro
Cabral começou a emergir na mídia quando ele se tornou proprietário de uma casa
de praia espetacular em Mangaratiba (RJ). Depois, como governador, desfrutava
de lanchas caríssimas, vinhos próprios de milionários, jatinhos de empresários
e festanças com guardanapos na cabeça em Paris. Tudo com dinheiro alheio, fruto
do suor da sociedade.
Além de arrojado, Cabral era também um político
prestigiado antes de ir parar em Bangu 8. Foi do PSDB quando convinha, pulou
para o PMDB em boa hora, alegou a importância da relação do governo do Estado
com o governo federal para estreitar os laços entre ele, governador, e o então
presidente Lula e fazia um carnaval com o dinheiro que saltava como confete de
esquemas com empresários como Eike Batista e Fernando Cavendish. Chegou a ser
cotado para vice e até para candidato à Presidência da República.
Lula percebeu rapidamente toda essa potencialidade. Ficou
íntimo de Cabral e foi um bom camarada para Eike. Dinheiro federal para o Rio
não faltava, e o grupo X foi um dos “campeões nacionais” na era em que o BNDES
era o pai dos ricos. Lula era amigo de Cabral, que era amigo de Eike, que era
amigo de Lula. O assalto à Petrobrás foi nessa época, quando Lula também dizia
que precisava botar a Vale do Rio Doce “na linha”, destacando para ela alguém
com visão “nacionalista” e ação “desenvolvimentista”. Não fosse a resistência
de Roger Agnelli (morto depois em acidente aéreo), a Vale poderia ter sido uma
segunda Petrobrás...
Cabral teve também muita sorte com um “boom” inédito dos
royalties do petróleo e soube capitalizar politicamente. Surfou no PAC Social
das maiores favelas cariocas, lançou um forte programa para idosos e, no ano da
reeleição de sua candidata Dilma Rousseff, levou os funcionários públicos ao
paraíso, com 48 planos de carreiras e salários. O céu era o limite para o Rio,
Cabral e suas falcatruas.
E onde fica o PMDB? O PMDB é uma federação nacional e um
arquipélago no Rio. No País, há os esquemas – ops!, grupos – de Jader Barbalho
no Pará, de Geddel Vieira Lima na Bahia, da família Newton Cardoso em Minas, do
agora morto governador Orestes Quércia em São Paulo... E, no Rio, há os
esquemas – ops!, as ilhas – de Cabral, Eduardo Cunha, Jorge Picciani e Antony
Garotinho (que se mudou para o PR). Essas ilhas não se comunicam e os esquemas
são distintos – ou concorrentes?
Tudo isso é assustador e desanimador, mas não se
desanime. O Brasil recuou três degraus no ranking da Transparência
Internacional sobre a percepção da corrupção e, hoje, está em 79.º lugar entre
176 países. Num primeiro olhar, é o País mais corrupto das galáxias. Melhorando
o foco, é o único que está remexendo as entranhas da corrupção, não só com a
Lava Jato, mas com seus filhotes. A operação “Eficiência” é um ótimo exemplo
disso.
*Publicado no Portal Estadão em 27/01/2017
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