Um ano de tragédias*
Eliane Cantanhêde
Se 2016 foi o ano do impeachment da primeira presidente
mulher no Brasil e da maior crise econômica da história brasileira, este 2017
está sendo o ano das tragédias. Começou com os assassinatos bárbaros em
presídios do Norte e Nordeste e chega agora à morte do ministro Teori Zavascki,
que não era apenas um a mais no Supremo Tribunal Federal, mas justamente o
relator da Lava Jato, a mais explosiva investigação sobre corrupção no País. O
clima em Brasília é de absoluta perplexidade.
Teori Zavascki era uma ilha num Supremo sacudido por
disputas internas, inclusive ideológicas e de egos. Nunca bateu de frente com
algum dos dez colegas, teve arroubos midiáticos ou foi identificado com o
partido tal ou qual. Além do temperamento discreto e do decantado bom senso, era
um homem do Direito, das leis, impecável na sua área. Se havia um consenso
dentro e fora do Supremo, era de que Teori era a pessoa certa, na hora certa da
Lava Jato.
E como substituí-lo? Ninguém é insubstituível, como diz a
máxima, mas encontrar um jurista à altura do momento, da Lava Jato e das
qualidades de Teori Zavascki não será fácil. Não estava no horizonte de Temer
nomear um dos ministros do Supremo em seus dois anos e meio de Presidência,
depois que a idade-limite de permanência no tribunal foi aumentada de 70 para
75 anos. Com essa mudança na lei, mais o imponderável da morte de Teori
Zavascki, essa passou a ser, desde ontem, uma de suas prioridades. E a lista de
prioridades de Temer não é nada modesta...
Cabe ao presidente da República nomear os ministros do
STF e Temer deve estar sofrendo as mais ostensivas pressões desde o primeiro
instante da confirmação da morte de Teori na queda de um pequeno avião nas
águas de Paraty. São pressões da área jurídica em geral e dos amigos
professores de Direito em particular, mas, sobretudo, dos políticos que são
alvo da Lava Jato às dezenas e certamente resistem a um ministro “linha dura” e
sonham com um voto “camarada”.
Teori Zavascki tinha todo o histórico da Lava Jato, era o
guardião de quilos de informações sobre cada político com mandato citado nas
investigações e estava com a caneta pronta para homologar, já na reabertura dos
trabalhos do Judiciário, em primeiro de fevereiro, a chamada “delação das
delações” – a da Odebrecht.
Com a nomeação de um novo ministro – que não tem prazo
para acontecer –, a expectativa é de que a Lava Jato possa, no mínimo, atrasar,
e muito. Lula demorou meses para nomear Joaquim Barbosa. Dilma Rousseff levou
um ano entre o anúncio de que Joaquim sairia até a nomeação de Luiz Edson
Fachin. Mas já se procuram brechas no regimento da Corte, em especial no artigo
68, para que a Lava Jato não espere a definição do novo nome e, como se trata
de matéria penal, seja redistribuída para um dos dez atuais ministros.
Mais importante do que quando e como será a definição do
novo relator da Lava Jato, porém, é quem pegará esse touro a unha.
Independentemente de regimentos, tecnicidades, prazos e brechas, há um certo
temor de que caia nas mãos de ministros que, apesar de brilhantes, são muito polêmicos,
como Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski. Sem desmerecer
os demais, a Lava Jato é um caso para o decano Celso de Mello, que não é só o
mais experiente, mas também muito criterioso e, algo bastante valioso, muito
respeitado pelos seus pares.
A morte de Teori Zavascki é uma perda imensa, que joga
mais um peso monumental nas mãos de Temer, mais tensão no Supremo e mais
dúvidas na sociedade sobre o encaminhamento da Lava Jato. Sem falar nas teorias
conspiratórias sobre o acidente, um prato feito para a irresponsabilidade das
redes sociais. Que tempos!
*Publicado no Portal Estadão em 20/01/2017
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