Lula foi Lula*
Eliane Cantanhêde
Lula foi Lula ontem, ao fazer seu pronunciamento de mais de
uma hora para “responder” aos procuradores da Lava Jato. Ele não “respondeu”
nada, nem se ateve às questões objetivas e à acusação de que seria o
“comandante máximo”, o “grande general”, o “chefe” e o “maestro” do esquema de
corrupção. Limitou-se a negar, pela enésima vez, que é dono do triplex do
Guarujá e fez o que faz de melhor: um discurso político, emocional, com direito
a lágrimas, em que lembrou toda a sua vida e enfatizou os êxitos dos seus
governos.
Não estava se dirigindo aos procuradores Deltan Dallagnol
e Roberson Henrique Pozzobom, nem rebatendo as 149 páginas da denúncia, nem
questionando a acusação de que teria recebido R$ 3,7 milhões da OAS, uma das
empreiteiras da Lava jato. Ele estava falando para o PT, para os militantes,
para os que estão com ele e com o partido faça chuva ou faça sol, com ou sem
Lava Jato. Exibindo uma camisa vermelho-sangue, Lula terminou sua fala
conclamando a militância para usar (ou resgatar?) o vermelho e a estrela do
partido.
O próprio pronunciamento foi num ambiente mais do que
acolhedor para Lula: durante reunião do Diretório Nacional do PT, cercado pela
cúpula do partido, pelos senadores Paulo Rocha, Lindbergh Farias e Gleisi
Hoffmann e velhos companheiros como o embaixador aposentado Samuel Pinheiro
Guimarães. Quem ouviu pelo rádio ficou em dúvida: estariam os jornalistas
aplaudindo Lula? Não, eram os fiéis seguidores.
Ao final, Lula se recusou a dar entrevista. Em vez de se
expor a perguntas sempre questionadoras e não raro incômodas dos repórteres,
preferiu falar o que bem entendeu, encerrou o pronunciamento e foi para “os
braços do povo”, ou melhor, foi se encontrar com os militantes que se
aglomeravam na frente do hotel em que se reunia o diretório. Eles estavam ali
para aplaudi-lo e badalá-lo. Ele foi lá para ser aplaudido e badalado.
No pronunciamento, Lula deixou de lado a metáfora da
“jararaca” – que usou quando sofreu condução coercitiva – e disse que tem 70
anos, é um “velho” e pediu para deixarem o velho para lá. Mas ele começou do
começo, digamos assim, ao falar da criança pobre, da trajetória pungente, do
líder sindical, do metalúrgico, até chegar ao sucesso dos seus governos,
principalmente pela inclusão social, mas até na política externa. Só que os
procuradores não o denunciam pelas políticas de governo, mas sim pela
“propinocracia”.
E, se foi assim, se ele foi tão perfeito, Lula só tem uma
explicação para suas agruras com a justiça, o MP, a PF, a Receita e a imprensa:
a elite malvada não aceita um operário que chegou ao poder e se deu tão bem. E
é claro que ele voltou à velha história do “desconforto das patroas” porque os
pobres começaram a andar de avião. O que Dallagnol, Pozzobon e centenas de
profissionais têm com o tal “desconforto de patroas” não se sabe, mas é o que
amigos, militantes e seguidores querem e precisam ouvir para manter vivo o mito
que alimenta suas crenças.
O pronunciamento não ajuda em nada no processo jurídico,
não mexe com o humor do juiz Sérgio Moro, não resolve as pendengas com os
procuradores, mas foi muito bom para Lula do ponto de vista político. Ele é um
craque da oratória e só ele pode tentar reavivar a aura de sucesso dos seus
anos de poder, recuperar o ânimo petista e ativar a capacidade de reação
política do partido e de seus aliados. O problema é que ele está cada vez mais
falando para uma minoria. Por mais que os procuradores, anteontem, tenham
passado do tom e exagerado na forma, a maioria prefere crer no que diz a Força
Tarefa da Lava Jato. A tese do “comandante máximo” da corrupção tem tudo para colar.
E para competir com a do “golpe” e do “Fora Temer”.
*Publicado no Portal Estadão em 16/09/2016
Nenhum comentário:
Postar um comentário