O colapso da vontade*
Ao contrário do que alardeiam os petistas, o impeachment
da presidente Dilma Rousseff não foi um golpe contra a democracia, mas sim a
interrupção do processo de degradação da democracia, liderado pelo partido que
se dizia campeão da ética na política e que prometia o paraíso da retidão moral
contra “tudo isso que está aí”. Foram mais de dez anos em que o País foi
submetido a uma espécie de lavagem cerebral, por meio da qual se procurou
desmoralizar toda forma de crítica ao projeto lulopetista, qualificando desde
sempre seus opositores como “inimigos do povo” e, ultimamente, como
“golpistas”.
Ao mesmo tempo, o PT, sob a liderança inconteste de Lula,
passou todos esses anos empenhado em desmoralizar o Congresso, oferecendo a
partidos e políticos participação no grande plano de assalto ao Estado
arquitetado por aqueles que, tanto na cúpula petista como nos altos escalões do
governo, tinham completo conhecimento do que ocorria. Tudo isso visava em
primeiro lugar não ao enriquecimento pessoal da tigrada, embora uns e outros
tenham se lambuzado com o melado que jorrava de estatais, mas sim à destruição
do preceito básico de qualquer democracia: a alternância no poder. A corrupção,
um mal que assola o Brasil desde o tempo das naus cabralinas, tornou-se pela
primeira vez uma política de Estado e uma estratégia política.
Na mentalidade autoritária petista, a democracia é e
sempre foi um estorvo, pois pressupõe que maiorias eventuais não podem tudo e
devem se subordinar ao que prevê a Constituição, passando regularmente por
testes de legitimidade. Logo, para se manter no poder para sempre, como
pretendia, o PT tratou de proceder à demolição da própria política,
inviabilizando qualquer forma de debate e dividindo a sociedade em “nós” e
“eles”.
Com isso, as vitórias eleitorais, a partir da chegada do
chefão Luiz Inácio Lula da Silva ao poder, foram tratadas pelos governantes
petistas como prova de que estavam acima de quaisquer limites administrativos,
políticos, éticos e legais – portanto, dispensados de confirmar sua
legitimidade. Desde sua fundação, o PT sempre entendeu que não deveria se
submeter a nenhum limite de natureza institucional porque se considerava
portador da verdade histórica. Com Lula na Presidência, o PT interpretou os
votos que recebeu como uma espécie de realização de sua superioridade moral – e
o partido apresentou-se como o único capaz de entender e satisfazer os desejos
populares.
Foi assim que Lula se apresentou ao País e ao mundo como
o demiurgo capaz de elevar o Brasil à condição de potência mundial e, de
lambuja, transformar os pobres brasileiros em felizes consumidores de
eletrodomésticos, carros e passeios de avião. Munido de grande carisma e de
notória caradura, Lula prometeu um sem-número de obras grandiosas e projetos
miraculosos. Entregou, em vez disso, apenas slogans, discursos e bravatas.
Mas o País, como que hipnotizado pelo gabola de
Garanhuns, deixou-se enlevar por aquele palavrório vazio e, aparentemente
destituído da capacidade crítica, não apenas reelegeu Lula, como abriu as
portas da Presidência da República para a mais inepta administradora pública de
que a história brasileira tem registro. Dilma Rousseff, no entanto, não pode
ser vista como uma aberração. Ela não existiria politicamente se não fosse
Lula, tampouco teria governado do modo desastroso como governou se não fosse
petista. Pois os petistas, como demonstrou fartamente a agora destituída
presidente, acreditam, graças às suas delirantes fantasias, que dinheiro
público surge e se multiplica unicamente em razão da vontade do governante.
Quem quer que ouse questionar essa visão irresponsável é considerado “invejoso”
e “preconceituoso”, como Lula anunciou certa vez em 2007, ocasião em que disse
que “é fácil ajudar os pobres”.
O impeachment de Dilma e a desmoralização do PT
funcionam, portanto, como uma chance de ouro para o restabelecimento da
racionalidade política e administrativa no País. Mais importante do que isso, o
ocaso da era lulopetista restitui aos brasileiros a própria democracia –
imperfeita, incompleta e carente de reformas, mas certamente preferível aos
sonhos autoritários de Lula, de Dilma e da tigrada.
*Publicado no Portal estadão.com em 04/09/2016
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