O samba do partido
doido*
Há carradas de razões para que se consume o impeachment
da presidente Dilma Rousseff, desde as arroladas no processo ora em curso no
Senado até as que fizeram do quase finado governo da petista o mais
irresponsável e corrupto da história nacional. Mas o voto em separado elaborado
pelo PT para se contrapor, na Comissão Especial do Impeachment no Senado, ao
parecer do relator Antonio Anastasia (PSDB-MG) é prova cabal de outro grave
delito cometido recorrentemente pelos petistas: o de lesa-inteligência. Em
poucas oportunidades, os borra-papéis do partido conseguiram juntar num mesmo
texto tão estapafúrdias referências – que vão de Dante Alighieri a Hitler –
para reafirmar a tese de que Dilma é vítima de golpe.
Enquanto Anastasia procurou embasar seu parecer em fatos,
dizendo que a gestão de Dilma instaurou “um vale-tudo orçamentário e fiscal que
trouxe sérias consequências negativas para o País”, os petistas denunciaram que
a presidente é vítima de uma conspiração das forças do mal. Para isso, apelaram
à mais medíocre literatice, a começar pelo título: Crônica de um golpe
anunciado.
Logo nos primeiros parágrafos, denuncia-se que, “na
calada da noite, em meio aos odores desagradáveis emanados do fisiologismo
político e da hipocrisia moral”, se urdiu, em seguida à reeleição de Dilma, “o
golpe que ameaça submergir o Brasil numa longa noite de autoritarismo,
conservadorismo, retrocesso social e desconstrução de direitos”.
O texto segue nessa toada embaraçosa, dizendo que,
“enquanto os justos dormiam o sono do dever cívico cumprido, os derrotados, com
ânimo inconformado e insone, iniciavam sua trama cínica e antidemocrática,
apoiados em mentiras, distorções e, sobretudo, num secular desprezo pelo voto
popular”. Os “justos”, claro, são Dilma e os petistas – aqueles cuja campanha
eleitoral foi irrigada com dinheiro de origem mais do que duvidosa e que
mentiram descaradamente nos palanques.
A trama, diz o texto, foi “de tal forma sinistra que
poderia ter sido contada por Virgílio a Dante Alighieri e ter como introito a
lúgubre frase Deixai toda esperança, vós que entrais! Com efeito,
começava ali a nova descida da democracia brasileira aos históricos infernos do
golpismo”. Era o caso de mencionar que o oitavo círculo do inferno de Dante é
aquele onde os corruptos, hipócritas e falsários são punidos com banho em piche
fervente, mas o texto omite essa passagem.
O festival de asneiras prossegue no trecho em que os
petistas acusam a oposição de disseminar o ódio contra o partido. Eles não se
limitam a citar Mandela: “O ódio é algo que se ensina”. Para a tigrada, a
estratégia para incitar a violência contra o PT se assemelha à dos nazistas
contra os judeus, “como ensinava Goebbels”. E a luta contra a corrupção é vista
como “forma de legitimação de forças ou regimes autoritários”: “Hitler, por
exemplo, legitimou em grande parte a sua ascensão no cenário político alemão
com o recurso demagogo da ‘limpeza das ruas’ alemãs de judeus, ciganos,
comunistas e corruptos”.
Na ladainha, assinada pelos senadores Lindbergh Farias
(PT-RJ), Gleisi Hoffmann (PT-PR) e Kátia Abreu (PMDB-TO), não faltaram nem
mesmo acusações de que Dilma sofreu o tal “golpe” por ser mulher – e essa
alegada misoginia desrespeitou até “o corpo da presidenta do Brasil”. Homessa!
Para coroar, esse verdadeiro samba do partido doido, que
faz referências também a Hannah Arendt, Sófocles, Getúlio Vargas e Carlos
Lacerda, termina com uma manjada citação de Marx, evocado para dizer que “é a
história que se repete, desta vez como farsa”. A turma aposta que “o julgamento
definitivo desse hediondo crime de irresponsabilidade caberá, em instância
irrecorrível, à História”. Os “historiadores do futuro”, conclui o voto, vão se
debruçar sobre esses episódios e concluir que o impeachment, se ocorrer, terá
sido um golpe.
Quando se depararem com esse texto exótico, no entanto,
os historiadores do futuro só poderão concluir que jamais um grupo político tão
medíocre, arrogante e pretensioso esteve no poder no Brasil.
*Publicado no estadão.com em 03/08/2016
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