A recuperação da confiança*
Em entrevista exclusiva publicada no Estado de
sexta-feira, 15, o presidente em exercício Michel Temer manifestou a
disposição de “desidratar essa coisa de Centrão” com o objetivo de promover a
unificação da base situacionista na Câmara dos Deputados. Além de fortalecer a
relação de independência e harmonia entre os Poderes Executivo e Legislativo, o
fim do Centrão ajudaria a sanear as práticas fisiológicas que têm desvirtuado a
missão constitucional da Casa de representação popular no Parlamento.
O atual Centrão é uma grande ação entre amigos que reúne
pelo menos 217 deputados de 13 legendas partidárias. Isolados, eles têm
inexpressivo valor parlamentar. O grupo não se pauta por diretrizes ideológicas
ou programáticas, mas abriga setores da chamada Bancada BBB (Boi, Bíblia e
Bala). Sua legenda emblemática talvez seja o PSD, partido que de acordo com seu
fundador, Gilberto Kassab, não é de direita, nem de esquerda, nem de centro. Ou
seja, está sempre aberto ao que de melhor aparecer. Foi assim que Kassab
transferiu-se da oposição ao lulopetismo, passando da condição de líder mais
expressivo do antigo PFL quando era prefeito de São Paulo à condição de
conselheiro político e ministro das Cidades de Dilma Rousseff. Completou o
salto triplo aninhando-se no regaço do governo interino como ministro da
Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações.
Houve um Centrão criado na segunda metade dos anos 80 por
representantes de partidos conservadores dispostos a influir no trabalho da
Constituinte de 1988. Embora fosse diferente do atual na medida em que estava
focado em pautas programáticas, o Centrão do governo Sarney, a quem dava apoio,
inaugurou a era moderna do toma lá dá cá, explicitada no mote “é dando que se
recebe”, nas palavras do nem um pouco franciscano deputado paulista Roberto
Cardoso Alves.
O atual Centrão surgiu de fato, embora ainda não fosse
conhecido por esse nome, durante o primeiro mandato de Lula, quando expedientes
como o mensalão passaram a ser usados para cooptar uma ampla base parlamentar.
A principal razão para que não fosse então reconhecido com nome próprio um
grupo parlamentar de apoio ao governo é que o dono exclusivo do poder era o PT,
que jamais disfarçou o desprezo político pelos aliados, limitando-se a manter
saciadas as suas ambições fisiológicas.
Coube a Eduardo Cunha, já por volta de 2010, pouco antes
de assumir a liderança do PMDB na Câmara, surgir como mentor do grupo que,
integrado preponderantemente por deputados que a ele deviam favores – cargos
públicos e patrocínios de campanhas –, acabou sendo conhecido como
Centrão.
Pode-se argumentar que a existência do Centrão decorre do
princípio de que a união faz a força. Mas que força e forças para quê? Sendo
uma união para obter vantagens materiais ao sabor dos ventos da política, esses
laços são inevitavelmente frágeis e rompem-se ao menor aumento da tensão. Foi o
que aconteceu com o Centrão de Cunha. Aparentemente indestrutível na bonança, desmoronou-se
antes mesmo que seu líder virasse carta fora do baralho.
E com isso, mudado o quadro político, tanto o chefe do
governo provisório quanto o novo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, demonstram
a intenção de abrir um diálogo político amplo e em outras bases. Se
bem-sucedido, esse diálogo estabelecerá um relacionamento mais sadio do
Executivo com o Legislativo, descartando arranjos políticos de grande amplitude
e mínimo efeito prático erigidos sobre bases puramente fisiológicas.
A recomposição da dignidade na lide parlamentar
certamente levará o povo a reconsiderar o juízo que faz de seus representantes
na política. Os atores que agora sobem à cena política com importância renovada
acenam com a possibilidade de restabelecer o entendimento entre Câmara e
Senado, para desobstruir a tramitação no Congresso de matérias urgentes da
pauta econômica e das reformas estruturantes que o País reclama. Isso é muito
importante. Mais ainda será se, impondo um padrão de seriedade à vida política,
conseguirem eles restaurar a confiança popular no sistema representativo que o
lulopetismo aviltou.
*Publicado no Estadão.com em 17/07/2016
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