De Delcídios e Romeros*
Eliane Cantanhêde
O presidente em exercício Michel Temer sabia que não
seria fácil, mas não sabia que seria tão difícil. Cada dia, sua agonia – ou,
cada dia, o seu amigo ou ministro problemático. Se Eduardo Cunha é um peso
enorme, Romero Jucá não fica atrás. Os dois, juntos, já puxam Temer e seu
projeto para um limbo de interrogações. Mas eles não são os únicos.
Na fita revelada ontem pelo repórter Rubens Valente, Jucá
discute com o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado um “pacto” para
garantir o impeachment de Dilma Rousseff, a posse de Michel Temer e a
interrupção pelo meio da Operação Lava Jato. No caso da Lava Jato, era
inexequível, pouco mais que um devaneio, mas virou um imenso constrangimento
para o governo interino e um explosivo combustível para o discurso da nova
oposição e os movimentos que acossam Temer.
Na tentativa de pedir a prisão e a cassação de Jucá, a
primeira comparação feita pelo PT e seus aliados no Congresso foi com a
gravação ambiente que justificou a prisão do primeiro senador no exercício do
mandato, o então líder do governo Dilma, Delcídio Amaral. Mas, na verdade, a
comparação mais correta é com o diálogo entre o então ministro da Educação
Aloizio Mercadante e Eduardo Marzagão, assessor de Delcídio.
Delcídio foi preso e cassado por tentativa concreta de
obstrução da Justiça, depois de flagrado oferecendo meios práticos, como
dinheiro e até um avião, para tirar Nestor Cerveró do Brasil e assim evitar que
fizesse delação premiada e contasse cobras e lagartos sobre a participação de
amigos do ex-presidente Lula e de empreiteiros que, segundo o ex-líder,
estariam sendo protegidos por Dilma.
Mercadante foi mais sutil quando chamou Marzagão para uma
conversa no seu gabinete. Disse que poderia “ajudar” no que fosse possível,
sugeriu que poderia oferecer advogado e até alguma ajuda financeira, mas para a
defesa. Tudo implícito, sugestivo, sub-reptício, como fez Jucá com Machado.
Jucá não disse onde, como, com quem especificamente e com
que recursos práticos pretendia construir um pacto nacional “com o Supremo”,
“parar tudo”, “delimitar onde está, pronto”, “proteger o Lula, proteger todo
mundo”. Um projeto megalomaníaco, como se bastasse um estalar de dedos para
suspender a Lava Jato, parar o STF, o juiz Sérgio Moro, o MP, a PF e a imprensa.
Simples, não?
Aliás, é curioso como os políticos pegos em grampos falam
do Supremo sem a menor cerimônia, como se fossem íntimos dos ministros. Alguém
consegue imaginar Dilma, de um lado, ou Temer, de outro, destacando emissários
para calar, cooptar ou sei lá o quê os onze ministros do tribunal, todos e cada
um deles listados entre os maiores e mais respeitáveis juristas do País?
Nas fitas, Jucá também diz que o vivíssimo Eduardo Cunha
“está morto”. Nem tanto... Cunha e Jucá têm em comum a proximidade do
presidente em exercício, os rolos com a Lava Jato e destaque no início da
gestão Temer, mas Cunha sobrevive mesmo afastado e Jucá é que parece “morto”.
Dizem que os peixes morrem pela boca, mas Jucá morre pela boca e por “otras
cositas mas”.
Ninguém nega que Jucá seja um bom economista e um líder
de eficaz de qualquer governo, e esses são os motivos alegados por Temer para
destacá-lo para um cargo estratégico como o Planejamento. Desde o início,
porém, virou alvo favorito dos adversários de Temer e do impeachment, como
exemplo de que o PMDB estaria envolvido até o último fio do cabelo em
maracutaias.
Jucá, portanto, era uma crise anunciada. Como são as
indicações feitas a dedo por Eduardo Cunha no governo interino, a começar do
líder na Câmara, o réu André Moura. Os antigos governistas, hoje
oposicionistas, nem vão ter muito trabalho. Podem ficar sentados, esperando os
próximos escândalos.
Nenhum deles, aliás, tem tanta capacidade de fazer
estrago na equipe do presidente em exercício Michel Temer quanto Sérgio Machado
– o amigo que jogou Romero Jucá no olho da rua e sabe das coisas.
*Publicado no Estadão.com, em 24/05/2016
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