O mundo pop do golpe*
Eliane Cantanhêde
O “exército do Stédile” estava perdendo a guerra da
opinião pública e os que ainda insistem em falar em “golpe” trocaram os
carimbados MST, CUT, UNE e MTST por uma tropa de elite: os artistas, que se
misturam às mocinhas bonitas da classe média alta de Rio e São Paulo que
ilustram as manifestações da Avenida Paulista e as capas dos jornais.
Como a turma do vermelho é a minoria da minoria, a
estratégia petista é usar a transformação do Ministério da Cultura em
Secretaria como pretexto para mobilizar os aliados do ambiente artístico, que
acham chiquérrimo ser “de esquerda” e, a partir disso, defendem qualquer coisa.
Os “movimentos sociais” dividem, mas o PT acha que esse “mundo pop” soma. É
assim que artistas e assemelhados invadem prédios da área de Cultura, para
ganhar espaço nas TVs e atrair simpatias entre os que não entenderam nada das
pedaladas fiscais e caem na história do “golpe”.
Se ainda há dúvidas sobre por que Dilma Rousseff foi
afastada, basta olhar o rombo das contas públicas: o governo dela admitia que
era mais de R$ 90 bilhões e Henrique Meirelles e equipe – aliás, excelente
equipe – já trabalham com quase R$ 200 bilhões. R$ 200 bi!
As pedaladas foram exatamente isso: Dilma gastou o que
tinha e o que não tinha e, mesmo depois de estourar o Orçamento, continuou
contraindo mais dívida, inclusive sem permissão do Congresso. Ou seja: ela
“pedalou” para esconder o rombo, para continuar gastando mais e mais em
políticas populistas e para se reeleger. É ou não crime de responsabilidade?
Aliás, há quem diga, principalmente nas Forças Armadas e
na diplomacia, que um outro crime de responsabilidade de Dilma foi, e é,
insistir na história do “golpe” no exterior. Para parlamentares, isso configura
calúnia e difamações contra as instituições brasileiras: o Supremo, a Câmara e
o Senado. Sem falar nos ataques do PT ao MP, à PF e à mídia, pilares da
democracia.
Se faltava cutucar os militares, não falta mais, depois
da Resolução do Diretório Nacional sobre Conjuntura em que os petistas lamentam
terem aproveitado os tempos de poder para modificar os currículos das academias
militares e promover oficiais “com compromisso democrático e nacionalista”. Por
em dúvida o compromisso democrático e até o nacionalismo de generais,
almirantes e brigadeiros é um insulto às Forças Armadas.
Apesar de as três Forças terem mantido silêncio e
distância da crise política, econômica e ética, o comandante do Exército,
general Eduardo Villas Boas, não resistiu. Ontem, ele me disse que, com coisas
assim, o PT está agindo como nas décadas de 1960 e 1970, aproximando-se do
“bolivarianismo” de Cuba e Venezuela e “plantando o antipetismo no Exército”.
Essa declaração de um comandante militar, convenhamos, não é trivial.
No próprio plano externo, a tese do golpe está ficando
restrita aos próprios “bolivarianos”. Os Estados Unidos já se manifestaram em
sentido contrário na Organização dos Estados Americanos (OEA) e a Argentina e o
Paraguai, entre outros, abortaram ameaças conjuntas contra o Brasil. Venezuela
e seus seguidores podem ficar falando sozinhos.
Nicolás Maduro diz que há um golpe no Brasil, mas ele é
que está na mira da OEA. O diretor-geral da organização, Luis Almagro, o chamou
de “ditadorzinho”. Maduro reagiu dizendo que ele é “agente da Cia”. E, como
Almagro foi chanceler do Uruguai, o ex-presidente Mujica tomou as dores:
“Maduro está louco como uma cabra”
Temos, pois, que Dilma anda mal de defensores. Os
artistas farão manifestações inconsequentes internamente e Maduro tem de se
preocupar mais com ele e com a OEA do que com o Brasil, enquanto Michel Temer
toureia um Congresso rebelde e Henrique Meirelles tenta descobrir o tamanho do
rombo e o fundo de um poço que parece não ter fim.
*Publicado no Estadão.com, em 20/05/2016
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