Acabou*
Eliane Cantanhêde
O ex-presidente Lula superestimou a sua força e
subestimou a gravidade da situação ao tentar uma manobra radical para tentar
salvar, ao mesmo tempo, a própria pele e o mandato de Dilma Rousseff. Lula, que
sempre achou que podia tudo, avaliou que assumiria, de fato, o lugar de Dilma,
reverteria o jogo e voltaria ao poder, de direito, nos braços do povo. Deu tudo
errado.
Se pecou pela ousadia sem
limite, a nomeação de Lula para um terceiro mandato indireto – ou “mandato
tríplex”, na irreverência de Brasília - foi também de uma inoportunidade
irritante: apenas três dias depois de milhões de pessoas saírem às ruas contra
Lula, Dilma e PT. Elas gritaram “fora Lula” e Dilma fez o oposto, botou Lula
para dentro do Planalto, desdenhando da Justiça e das investigações da Lava
Jato.
Os manifestantes reagiram
voltando às ruas, cercando o próprio Palácio do Planalto e reacendendo o temor
de confrontos. O juiz Sérgio Moro não deixou por menos: retaliou liberando
gravações comprometedoras de Lula e a conversa entre ele e Dilma em que falam
do “termo de posse”, para ser usado “se necessário”. É considerado prova.
As gravações mostram como
ele e Dilma arquitetaram a artimanha para fugir de Moro e cair no ambiente bem
mais aconchegante do Supremo Tribunal Federal. Se isso não é tentativa de
obstrução da Justiça, é o quê? O anúncio da volta de Lula era para ser um fato
espetacular, mas foi um tiro n’água.
A hipótese de Lula nos
braços do povo parece cada vez mais distante, lembrando a melancólica reação de
Jânio Quadros quando desembarcou em São Paulo depois da renúncia. Olhou para um
lado, olhou para o outro e indagou na sua solidão: “Cadê o povo?” Lula, como
ele, pode não estar notando, ou acreditando, o quanto a sociedade lhe virou as
costas.
A mirabolante nomeação de
Lula foi recebida não só com fortes protestos nas ruas, mas resistência até
mesmo dentro do governo. Enquanto o presidente da CUT alardeava que, com Lula,
o governo “vai mudar radicalmente e dar uma guinada à esquerda” (populista e
gastadora), o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, entrincheirava-se
em defesa dos fundamentos econômicos e de uma política responsável.
A primeira ação do novo
“superministro” Lula foi tentar dobrar o PMDB, enroscando-se com o já tão
enroscado presidente do Senado, Renan Calheiros, e nomeando o peemedebista
Mauro Lopes para a Aviação Civil quatro dias depois de a convenção nacional do
PMDB proibir os membros do partido de aceitar cargos no governo. Foi uma
provocação ostensiva, uma declaração de guerra contra o vice Michel Temer e a
cúpula do fundamental PMDB.
Ou seja: ao renunciar na
prática em favor de Lula, Dilma pôs uma pá de cal no seu mandato moribundo,
irritou os manifestantes de domingo, cutucou as onças da Lava Jato com vara
curta, abriu uma guerra com o PMDB, acendeu um sinal de alerta nos economistas
e nas estatais e bancos públicos. E para quê? Foi tudo um tiro n’água, como já dito
aqui, ou pior: um tiro no pé. Nunca o impeachment pareceu tão palpável quanto
ontem à noite.
*Publicado no Portal Estadão em 17/03/2016
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