O momento Gorbachev de
Lula*
Elio Gaspari
Lula, essa metamorfose ambulante,
apresentou-se com uma nova roupa. Dizendo-se "velho" e
"cansado", defendeu uma "revolução interna" no Partido dos
Trabalhadores. Quer colocar nele "gente nova, gente que pensa
diferente". Por duas razões, é possível que esteja perdendo seu tempo.
Primeiro porque não está falando
sério. Ele diz: "Não sei se é defeito nosso ou do governo". Se acha
que o defeito pode ser do governo, e não "nosso", acredita que alguém
seja capaz de separar um do outro. Diz mais: "Eu acho que o PT perdeu um
pouco de sua utopia". Casos como o do assassinato de Celso Daniel, o
"mensalão" e as petrorroubalheiras dificultam a percepção de que o PT
tenha perdido só "um pouco de sua utopia". Com a proteção que Lula e
o partido deram aos comissários nos escândalos que hoje os trituram, ele perdeu
toda a utopia.
Pior, detonou as utopias históricas
dos grandes contratadores de negócios com o Estado. Num fato inédito desde que
o marechal Deodoro foi acusado de proteger uma empreiteira, conexões petistas
levaram maganos para a cadeia. Os companheiros que prometiam prender
empresários corruptos ajudaram a conduzir bilionários simpáticos à sua
tesouraria para a carceragem de Curitiba e foram junto.
O segundo motivo pelo qual Lula pode
estar perdendo seu tempo foi exposto ao país no congresso do apartido em
Salvador, quando o nome do tesoureiro João Vaccari Neto recebeu uma ovação do
plenário. A "gente nova" que um dia foi para o PT hoje grita nas ruas
para que ele se vá.
Aos 69 anos, a guinada utópica de
Lula tem alguns ingredientes da ilusão de Mikhail Gorbachev quando pensou em
rejuvenescer o sistema político soviético.
Ele achou que o partido comunista
tinha conserto. Felizmente para o Brasil, o PT pode viver sua crise sem
destruir o Estado. Como no baralho do regime de Gorbachev não havia a carta da
regeneração, ele acabou como garoto propaganda das malas Louis Vuitton.
Apesar de tudo isso, não se deve
subestimar a metamorfose ambulante. Lula surgiu no cenário nacional emergindo
vitorioso de uma greve com a qual pouco teve a ver, a da Scania em 1978. E
triunfou nos dois anos seguintes liderando paralisações ruinosas. Já entrou em
assembleia tendo feito um acordo com o patronato e, ao sentir o clima de
peãozada, renegou o acerto, marchando heroicamente para uma derrota. Saiu
vitorioso no fracasso. Cresceu a cada um desses lances, chegou ao Planalto e
colocou um poste no seu lugar.
A primeira eleição de Lula deveu-se
em boa parte às suas virtudes. A partir daí, os êxitos do PT deveram-se
principalmente às inclinações demofóbicas de seus adversários. Quando Lula
surpreende dizendo que tanto ele como a doutora Dilma estão no "volume
morto", a oposição rejubila-se, como se isso lhe bastasse.
Esquece-se que até bem pouco, quem
estava literalmente no volume morto era o governador Geraldo Alckmin, ameaçado
por um racionamento de água em São Paulo. Depois de dez meses de ansiedade,
subiu o nível do sistema Cantareira e o tucano é candidato a presidente.
A guinada e o rejuvenescimento
petista são utopias que Lula vende, mas não compra. Sua esperança está onde
sempre esteve: na demofobia dos adversários.
* Publicado na Folha de São Paulo (24/06/15)
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