quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Crônica

Um pouco do mesmo. Apenas bem diferente! (4)

Vergonha alheia

Cesar Cabral*

Delírios a parte, fico com minha vergonha alheia já que não posso me desfazer dela. Existem diversas maneiras de sentir vergonha essa sensação esquisita que quando a gente sente não sabe onde se enfiar. Exceto é claro aqueles que não têm vergonha nenhuma; nem meio pingo de vergonha. Quem sente vergonha sente-se arrasado, infeliz e desorientado com esse sentimento que pode roer-lhe as
entranhas. Há diversos tipos de vergonha, e uma delas é a vergonha alheia, tão comum hoje em dia que o efeito é passageiro, na maioria. Todo mundo comenta na hora e depois ela vai passando até que o infeliz sinta a próxima.

Essa vergonha, a alheia, como diz o nome, vem de fora da pessoa envergonhada; foi cometida por outro que não o envergonhado. Geralmente as causas são profundas e vem de longo tempo; mas a gente só sente quando ela estoura de vez.
Pega de surpresa e, por isso, pode causar maior impacto como o comportamento de algumas pessoas que me faz pegar nojo. De outras, pego admiração. Peguei nojo, e faz tempo, de gente espaçosa; aquelas que ocupam as três dimensões simultaneamente, (que palavrão!) que roubam o oxigênio num raio de mil quilômetros.

Os exemplos são tantos que perdi a conta e as anotações embora muitos deles não me saem da lembrança. Certa vez numa loja de artesanato numa cidade do nordeste dois turistas gaúchos compravam as pampas e gritavam como quem toca as vacas no campo num petiço sogueiro. Um deles percebeu que eu estava olhando com olhar de nojo e aí sem imaginar que eu era seu conterrâneo, sem dúvida, soltou num berro: “vou levar mais um destes pros tchês lá de baixo”! Ninguém entendeu nada; nem os gaúchos. Mas o que era mais um destes pros “tchês lá debaixo?” Era rapadura, que se comprava em Santo Antônio da Patrulha a caminho da praia, além de sonho e cachaça azulzinha (não sei se ainda é assim). Mais conhecida no nordeste, a rapadura também é conhecida, produzida e consumida na maior parte da América Latina – da Venezuela ao México.Menos no Uruguai e evidentemente que também não em Piriápolis.

Outro nojento de um grupo na praia - aqui ninguém tem que levar as traquitanas pra beira do mar. Tem barracas com tudo. Alias barraca é um nome que ficou pelo hábito, pois algumas são tão, digamos, sofisticadas, que tem piscina – grande, de nadar e mergulhar – garçons, bar, restaurante... Pois um nojento espaçoso e sua turma bebiam cerveja – outro detalhe: são sempre muito geladas – quando um
deles levantou-se arregaçou a bombacha até os joelhos e vestido com uma camiseta onde se lia “Sou do Sul”, passou a mão na cuia de mate já cevado, meteu uma garrafa termica no sovaco e foi “chimarrear” na beira do mar. E quando a onda chegava mais alta, dava uns pulinhos! Sei lá pra quê. Mas, pensei, será o efeito da água morna do chimarrão com a cerveja gelada no estomago do nojento?
Dei uma gargalhada. O garçom que passava por perto me olhou e eu perguntei: o que é aquilo? “São os gaúchos”, ele respondeu perguntando. “O senhor é paulista, nénão?” - “Não, respondi, sou do Acre”! Juro pela santa mãe de Sepé Tiaraju!

Num intervalo das minhas escrevinhanças liguei a TV pra saber se o diretor da Petrobras ia ou não ia abrir a boca. Abriu pra dizer que não ia abrir a boca.
Babaquice minha! Até as paredes sabiam. Mas, foi no exato momento em que o deputado Onix estava falando, chamando o cara de bandido, agarrado numa cuia de chimarrão e segurando uma garrafa térmica. Isso às 3 horas da tarde numa CPMI do Congresso Nacional.

Não estou negando “minhas raízes”, se é que isso existe; mas sou porto alegrense, onde esse estereótipo de gaúcho (não no sentido de preconceito, mas sim de modelo ou conceito estabelecido como padrão) só se vê na “Semana Farroupilha”. É que
não suporto mais gente espaçosa; e aqui onde moro também tem muitas delas. E como tem!
*Jornalista e escritor

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