O passo
a passo da farsa
O
ESTADO DE S.PAULO*
Compreende-se que, por enfado ou por ter
mais do que fazer, muitos leitores, informados das linhas gerais de um
escândalo exposto pela imprensa, se dispensem de ler também as revelações que
se seguem à denúncia inicial e a corroboram. Mas há um ganho substantivo de
conhecimento quando, apesar do odor que emana dessas armações, se chega a ter
pelo menos um vislumbre de sua carpintaria. O argumento se aplica à mais nova
baixaria divulgada do consórcio de interesses que une o governo do PT, os seus
agentes no Congresso Nacional e a elite de companheiros que comandam a
Petrobrás, a maior empresa brasileira com uma caixa-preta do tamanho de seus
empreendimentos.
Desde o fim da semana, quando começou
a circular a nova edição da revista Veja, o público ficou sabendo - a partir da
transcrição de conversas registradas em um vídeo de 20 minutos entre o titular
do escritório da Petrobrás em Brasília, José Eduardo Sobral Barrocas, e dois
advogados - da montagem de um esquema escabroso de blindagem da cúpula da
estatal. A "cena do crime" em preparo seria o recinto onde a Comissão
Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado tomaria os depoimentos de atuais e
ex-altos figurões da empresa sobre o nefasto negócio da compra da Refinaria de
Pasadena, iniciado em 2006. Segundo o Tribunal de Contas da União, a operação
deixou um rombo de US$ 792 milhões - se não for ainda maior a perda.
Um servidor da Secretaria de
Relações Institucionais da Presidência da República, Paulo Argenta; o assessor
da liderança do governo no Senado, Marco Rogério de Souza; e o seu colega da
liderança do PT, Carlos Hetzel, elaboraram as perguntas que o relator da CPI, o
também petista José Pimentel - por sinal líder do governo no Congresso -,
deveria fazer à atual presidente da Petrobrás, Graça Foster, ao seu antecessor
José Sérgio Gabrielli e ao ex-diretor Nelson Cerveró. Este último foi o autor
do resumo "técnica e juridicamente falho", como viria a dizer a
presidente Dilma Rousseff, ao se referir ao documento em que se baseou para
aprovar a aventura de Pasadena, quando, ministra de Lula, chefiava o Conselho
de Administração da petroleira.
Já seria um escárnio se a isso se
limitasse o jogo de cartas marcadas que completaria a desmoralização da CPI de
13 membros, 10 dos quais governistas, e por esse motivo boicotada pela oposição
(que tinha proposto o inquérito, afinal). Mas o suprassumo foi o repasse das
perguntas aos perguntados e a escolha, de comum acordo, das respostas mais
convenientes para a empresa, o PT e o Planalto. Ontem, o Estado descreveu
o passo a passo da farsa. Barrocas, o homem da Petrobrás na capital, apanhava
no gabinete da liderança petista do Senado o questionário. A "cola"
era preparada na sala de reuniões anexa ao gabinete de Graça, na sede da
Petrobrás em Brasília. Acertados os ponteiros, o material seguia para o comando
da empresa, no Rio.
Tentando tapar o sol com peneira,
a estatal diz que não antes, mas depois dos depoimentos se promoviam reuniões
para desdobrá-los em novas perguntas para "subsidiar" oitivas
futuras. Os novos depoentes, diz ainda a Petrobrás, participavam de
"simulações de perguntas e respostas" para estar à altura do
imaginário crivo dessa CPI de cartolina. A outra, integrada por deputados e
senadores, que a oposição conseguiu criar para se contrapor ao inquérito
açambarcado pela maioria governista do Senado, tampouco ficou imune à ação do
PT para jogar areia nos olhos dos parlamentares. O PSDB descobriu que 15
perguntas feitas pelo senador Pimentel a Graça Foster, em 27 de maio, foram
repetidas duas semanas depois, quando ela foi falar à Comissão Mista, pelo
relator do colegiado, o companheiro Marco Maia.
Pimentel tem sido aconselhado a
deixar a relatoria, até pelo comitê de campanha de Dilma, mas se nega. O certo
também seria Graça se licenciar da Petrobrás, agora que, além de tudo, o TCU
deverá acrescentar seu nome aos dos 11 executivos passíveis de serem
responsabilizados pelo prejuízo de US$ 92,3 milhões à empresa, no curso do
affair Pasadena.
* Editorial de 6 de agosto de 2014
Nenhum comentário:
Postar um comentário