Agita-se o Partido dos Trabalhadores (PT). Após a
agressiva mobilização em defesa dos condenados no processo do mensalão, a
vanguarda petista começa a propor, a seu modo, uma reflexão sobre os rumos do
partido, aquele que se orgulhava de ser modelo de correção radical e que hoje é
pilhado em sucessivos escândalos. Ingênuos podem ver nisso um mea culpa, um
esforço para retornar às origens "puras" do partido, mas, em se
tratando de PT, não cabe nenhuma ingenuidade: digladiam-se forças para a
ocupação dos espaços perdidos pelas lideranças mensaleiras e, principalmente,
para salvar as aparências do lulismo, emparedado por denúncias de cama e mesa.
A mais recente manifestação da cúpula petista, a carta
convocatória para o 5.º Congresso Nacional do PT, a ser realizado em 2014, dá
uma ideia dessa crise. O documento reafirma as linhas gerais da defesa do
legado de Lula e diz que o ex-presidente, assim como o partido, é vítima de uma
campanha de difamação "insidiosa", semelhante à que sofreram os
presidentes Getúlio Vargas e João Goulart. O primeiro suicidou-se, em 1954,
denunciando "as forças e os interesses contra o povo" que o
pressionavam. "Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para
que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os
humildes", escreveu Getúlio, quando se descobriu que os porões do Palácio
do Catete haviam se transformado num mar de lama em que chafurdavam Gregorio
Fortunato e a sua quadrilha. Lula não parece inclinado a gesto tão dramático,
mas o discurso é o mesmo, como mostra o documento petista: "A verdade é
que os donos do poder não aceitam essa irrupção de pobres na vida social e
política do País".
O texto afirma que, graças às "distorções do
sistema político", Lula teve de aliar-se ao que há de pior na política
brasileira, como Sarney, Collor e Maluf, para "dar sustentação parlamentar
ao governo". A direção petista argumenta que só assim foi possível manter
o poder e enfrentar as elites, que, embora tenham se beneficiado da era Lula,
jamais admitiram o "êxito de um nordestino, sem educação formal, como
presidente da República". A missão histórica do lulopetismo está,
portanto, acima de quaisquer considerações éticas. Aliás, dissemina-se há algum
tempo, entre pensadores simpáticos ao PT, a ideia de que a corrupção é
intrínseca ao capitalismo e que os pobres, agraciados com a fartura creditícia
patrocinada pelo governo petista, não estão nem um pouco preocupados com os
malfeitos, razão pela qual mantêm seu apoio a Lula e à presidente Dilma
Rousseff. O clamor pela ética na política, prossegue a tese, restringe-se às
"elites". O documento petista é claro sobre isso, ao dizer que
"denúncias sobre corrupção sempre foram utilizadas pelos conservadores no
Brasil para desestabilizar governos populares".
Antes de chegar ao poder, porém, quem utilizava
denúncias de corrupção como bandeira política era o PT, cujo líder máximo
apontou a existência de "300 picaretas" no Congresso. Hoje, sabe-se,
o governo petista costuma comprar o apoio desses "picaretas". O
documento do PT admite que o partido já não é mais o mesmo, pois "perdeu
densidade programática e capacidade de mobilização sobre setores que nos
acompanharam nos primeiros anos de nossa existência". Traduzindo: rasgou
suas bandeiras e abandonou os que acreditavam nelas, distanciando-se de sua
militância. Admitir isso não é penitência, mas estratégia. A cúpula petista,
conforme diz seu texto, acredita que seja necessário retomar as discussões
programáticas para fortalecer sua "capacidade de intervenção na
conjuntura", isto é, para pressionar Dilma a atuar com mais firmeza em
favor dos interesses do partido. Aqui e ali, militantes têm manifestado
descontentamento com a presidente por sua suposta leniência em relação à mídia
e aos empresários. Portanto, para entender esse movimento interno no PT não se
pode esquecer de que a sucessão de 2014 já começou, que Dilma não é a
presidente dos sonhos dos petistas e que Lula precisa de palanque sólido para
defender-se e continuar a construir a tal "narrativa petista".
O Estado de S.Paulo - 07 de janeiro
de 2013
Nenhum comentário:
Postar um comentário