A indecência de Lula, Gilmar e Jobim
Ricardo Noblat*
De duas, uma. Ou Lula ainda está sob o efeito de remédios contra
o câncer na laringe, o que compromete seu apurado tino político, ou então se
rendeu à certeza de que é mesmo infalível.
Para chegar bem ao seu final, a CPI de Cachoeira terá que dar em
nada. E o encontro de Lula com o ministro Gilmar Mendes precisará ser esquecido
rapidinho.
É improvável que nada produza de relevante a CPI inventada por
Lula para atazanar a vida de seus desafetos ligados a Cachoeira, e retardar o
julgamento do mensalão. O que ela produzir poderá significar problema para
Dilma. Esta semana, a CPI quebrará o sigilo das contas da Delta, a empreiteira
favorita dos políticos que apoiam o governo.
Quanto à memória coletiva, até que comece o julgamento dos
mensaleiros em agosto não haverá tempo para que esqueça o encontro de Lula com
Gilmar. Ele é simplesmente inesquecível.
O celular de Gilmar tocou na última semana de abril último e ele
ouviu o convite: “Lula virá aqui no dia 26. Quer conversar com você”.
Era Nelson Jobim, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal
(STF), onde o mensalão será julgado. O escritório de Jobim funciona no apartamento
onde ele mora, em Brasília.
“É inconveniente julgar esse processo agora”, disse Lula a Gilmar
depois dos cumprimentos de praxe. São 36 réus. Lula contou que José Dirceu
"está desesperado".
Mensaleiros como José Genoino, Delúbio Soares, Marcos Valério e
Duda Mendonça também estão. Foram advertidos por seus advogados sobre a forte
possibilidade de serem condenados e presos.
“Não tem como adiar o julgamento?”, perguntou Lula. “Se for
adiado, o Supremo sofrerá um desgaste profundo”, argumentou Gilmar.
Foi aí que Lula comentou que tem o controle político da CPI do
Cachoeira. E ofereceu proteção a Gilmar. “Fiquei perplexo com o comportamento e
as insinuações despropositadas do presidente Lula”, revelou Gilmar ao
Procurador Geral da República, ao Advogado Geral da União, ao colega Ayres
Britto, presidente do STF, e à Veja.
O constrangimento de Gilmar não inibiu Lula. “E a viagem a
Berlim?”, ele perguntou. Corre em Brasília a história de que os casais Gilmar
Mendes e Demóstenes Torres teriam viajado para Berlim com as despesas pagas por
Cachoeira. Gilmar confirmou a viagem. Mas respondeu que pagara as próprias
despesas.
“Viajei com o Demóstenes que eu e o senhor conhecíamos antes”,
justificou-se. Em seguida, bateu na perna de Lula e aconselhou: ”Vá fundo na
CPI”.
Gilmar ainda ouviu Lula dizer que encarregaria Sepúlveda
Pertence, ex-ministro do STF, de convencer a ministra Carmem Lúcia a atrasar o
julgamento. Pertence indicou Carmem para o STF.
“Vou falar com Pertence para cuidar dela”, antecipou Lula,
preocupado com a situação de Ricardo Lewandowski, lembrado por dona Marisa para
a vaga que hoje ocupa no STF. Amigo da família da ex-primeira-dama, Lewandowski
é o ministro encarregado de revisar o processo do mensalão relatado por seu
colega Joaquim Barbosa.
“Ele (Lewandowski) só iria apresentar o relatório no semestre que
vem, mas está sofrendo muita pressão [para antecipar]”, queixou-se Lula.
Joaquim Barbosa foi chamado por Lula de "complexado".
Lula ainda se referiu a outro ministro - José Dias Toffoli, ex-assessor de José
Dirceu na Casa Civil.
“Eu disse a Toffoli que ele tem que participar do julgamento”,
avançou Lula - para quem o julgamento do mensalão só em 2013 evitaria que ele
fosse contaminado por “disputas políticas”.
O que Lula não disse: nesse caso, os ministros Ayres Britto e
Cezar Peluso estariam aposentados. Os dois devem votar pela condenação de
alguns réus.
Gilmar errou ao ir ao encontro de Lula. Ministro pode receber
advogados, ouvir seus argumentos, mas é só.
Lula acha que o julgamento do mensalão equivale ao julgamento do
seu governo – por isso errou gravemente ao pressionar um juiz.
Foi indecente e escandaloso o episódio que ele e Gilmar e Jobim
protagonizaram.
*Jornalista – Blog do Noblat
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