Homofobia é crime?
Maria Berenice Dias*
Ainda que muito não saibam, homofobia significa aversão a
homossexuais. Sem precisar ir ao dicionário, a expressão compreende qualquer
ato ou manifestação de ódio ou rejeição a homossexuais, lésbicas, bissexuais,
travestis e transexuais. Apesar de a palavra homofobia albergar todos esses
segmentos, novas expressões, como lésbofobia, bifobia e transfobia, surgem para
dar ainda mais visibilidade à intolerância em todos os seus matizes.
Mesmo que sejam termos novos, definem velhas posturas, pois
se chega a invocar a Bíblia na tentativa de absolver atitudes discriminatórias.
Nada mais do que a busca de justificativas para o injustificável: preservar o
"direito" de externar ódio contra alguém sem correr o risco de ser
punido.
Escudados na liberdade de credo, segmentos conservadores
criam religiões com as mais diferentes denominações, que se intitulam igrejas.
Seus dirigentes vão além do que chamam templos. Dominam meios de comunicação e
se instalam nas casas legislativas, pregando não o amor, mas o ódio ao próximo.
Arvoram-se o poder de promover a conversão de homossexuais, como se fosse uma
doença passível de ser curada ou uma praga a ser eliminada.
Parece que sequer se atenta à Constituição Federal, que já
em seu preâmbulo assegura o exercício dos direitos sociais e individuais, a
liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça
como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.
Também é consagrado como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil
(art. 3ª, inc. IV): promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Para regulamentar o comando constitucional, a Lei 7.716/89
criminaliza o preconceito de raça ou de cor. O Estatuto da Criança e do
Adolescente e o Estatuto do Idoso atentam contra o preconceito em razão da
idade. O Estatuto da Igualdade Racial visa a evitar a discriminação em face da
cor. No entanto, a vedação constitucional de preconceito em razão de sexo - que
alcança a discriminação por orientação sexual ou identidade sexual - prossegue
sem uma legislação que criminalize atos de homofobia.
Diante da postura omissiva e complacente da sociedade os
legisladores, por medo de comprometer sua reeleição ou serem rotulados de
homossexuais, impedem a aprovação de qualquer projeto de lei que vise
criminalizar a homofobia ou garantir direitos às uniões homoafetivas.
Conclusão, o Brasil é o país que registra o maior número de crimes homofóbicos.
Uma triste realidade que todos insistem em não ver. Tanto é assim que não
existem estatísticas oficiais.
Felizmente o Poder Judiciário, de há muito, vem suprindo o
silêncio da lei e garantindo toda a sorte de direitos no âmbito do direito das
famílias, direito previdenciário e sucessório. A decisão mais emblemática foi a
proferida pelo Supremo Tribunal Federal que, ao reconhecer as uniões
homoafetiva como entidade, acabou por assegurar acesso ao casamento. Porém a
Justiça não tem como punir ações de natureza discriminatórias, pois ninguém
pode ser condenado sem lei que tipifique a ação como delituosa (CF, art. 5º,
inc. XXXIX: não há crime sem lei anterior que o defina).
Diante desse impasse é que se impõe a necessidade de
aprovação de uma legislação específica voltada a garantir a inserção da
população LGBT no sistema jurídico.
Consciente da responsabilidade de serem os advogados
indispensáveis à administração da justiça (CF, art. 133), a Ordem dos Advogados
do Brasil tomou a si o encargo de elaborar o Estatuto da Diversidade Sexual.
Para isso convocou um grupo de juristas e criou Comissões da Diversidade Sexual
em todo o país. A elaboração do anteprojeto contou com o poio dos movimentos
sociais que apresentaram sugestões e emendas.
Três propostas de Emenda Constitucional já se encontram no
Congresso Nacional. O Estatuto tem a estrutura de um microssistema, como deve
ser a legislação voltada a segmentos sociais vulneráveis. Estabelece
princípios, garante direitos, criminaliza atos discriminatórios e impõe a adoção
de políticas públicas. Também é proposta a alteração da legislação
infraconstitucional para adequar-se ao novo sistema.
E, para que não se alegue que a iniciativa desatende ao
desejo do povo, o projeto será apresentado por iniciativa popular, em face do bem
sucedido exemplo da Lei da Ficha Limpa. Para isso é necessária a coleta de
quase um milhão e meio de assinaturas.
Nada que não se possa conseguir. Todos aqueles que acreditam
que o Brasil é um estado livre e democrático precisam aderir. Afinal, o que se
está buscando é garantir a todos os cidadãos o direito à liberdade, algo que é
muito caro a todos nós.
Participe desta iniciativa pelo site: http://www.direitohomaofetivo.com.br
Pela primeira vez movimenta-se a sociedade para construir um
Brasil para todos!
*Presidenta da Comissão da Diversidade Sexual do Conselho Federal da
OAB
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