quarta-feira, 30 de maio de 2012


Criação coletiva
Dora Kramer
Não, o ex-presidente Lula não perdeu o juízo como sugere em princípio o relato da pressão explícita sobre ministros do Supremo Tribunal Federal para influir no julgamento do mensalão, em particular da conversa com o ministro Gilmar Mendes eivada de impropriedades por parte de todas as partes.
Lula não está fora de si. Está, isto sim, cada vez mais senhor de si. Investido no figurino do personagem autorizado a desrespeitar tudo e todos no cumprimento de suas vontades.
E por que o faz? Porque sente que pode. E pode mesmo porque deixam que faça. A exacerbação desse rude atrevimento é fruto de criação coletiva e não surgiu da noite para o dia.
A obra vem sendo construída gradativamente no terreno da permissividade geral onde se assentam fatores diversos e interesses múltiplos, cuja conjugação conferiu a Lula o diploma de inimputável no qual ele se encontra em pleno usufruto.
Nesse último e bastante assombroso caso, produto direto da condescendência institucional - para dizer de modo leve - de dois ex-presidentes da Corte guardiã da Constituição: o advogado Nelson Jobim, que convidou, e o ministro Gilmar Mendes, que aceitou ir ao encontro do ex-presidente.
Nenhum dos dois dispõe da prerrogativa da inocência. Podiam até não imaginar que Lula chegaria ao ponto da desfaçatez extrema de explicitar a intenção de influir no processo, aconselhando o tribunal a adiar o julgamento e ainda insinuar oferta de "proteção" ao ministro.
Inverossímil é que não desconfiassem da motivação do ex-presidente que anunciou disposição de se dedicar diuturnamente ao desmonte da "farsa do mensalão" e provou isso ao alimentar a criação de uma comissão parlamentar de inquérito no intuito de embaralhar as cartas e embananar o jogo.
Mas, apenas para raciocinar aceitemos o pressuposto da ingenuidade, compremos a versão do encontro entre amigos e consideremos natural tanto o convite quanto a anuência.
À primeira questão posta - "é inconveniente julgar esse processo agora" -, à primeira pergunta feita pelo ex-presidente - "não tem como adiar o julgamento?" -, se o ministro Gilmar Mendes tivesse agradecido ao convite e polidamente se retirado, não teria ouvido o que viria a seguir, segundo o relato que fez depois ao presidente do STF, ao procurador-geral da República e ao advogado-geral da União.
Narrativa esta que se pressupõe verdadeira. Se aceitarmos a versão do desmentido apresentada por Nelson Jobim teremos de aceitar a existência de um caluniador com assento no Supremo Tribunal Federal e de esperar contra ele algum tipo de interpelação.
Tivesse dado por encerrado o encontro logo de início, o ministro Gilmar Mendes não teria ficado "perplexo com o comportamento e as insinuações despropositadas do presidente Lula".
Não teria ouvido alusões ao seu possível envolvimento com o esquema Cachoeira - razão da oferta de proteção na CPMI -, não teria escutado o ex-presidente chamar o ministro Joaquim Barbosa de "complexado".
Não teria testemunhado Lula desqualificar ao mesmo tempo o ex-ministro Sepúlveda Pertence e a ministra Cármen Lúcia ao sugerir a existência de uma cadeia de comando com a frase "vou falar para o Pertence cuidar dela".
É verdade que se tivesse ido embora o ministro Gilmar Mendes teria poupado a si um enorme constrangimento.
Mas não daria ao País a oportunidade de saber que o ex-presidente tem acesso a informações de um inquérito na data da conversa (26 de abril) ainda protegido por sigilo de Justiça.
Não saberíamos que Lula diz orientar a conduta do ministro Dias Toffoli - "eu falei que ele tem que participar do julgamento"- e que afirma acompanhar de perto os passos do ministro revisor do processo do mensalão, Ricardo Lewandowski - "ele só iria apresentar o relatório no semestre que vem".
Em suma, ninguém fica bem nessa história, mas Lula fica pior ao deixar que a soberba e o ressentimento o façam porta-voz do pior combate: a desqualificação das instituições. Entre elas o papel de ex-presidente da República.
Jornalista – Estado de São Paulo


Gilmar Mendes diz que Lula plantou notícia
O G1, portal de notícias da Globo na internet, publicou nesta terça feira (29) matéria sobre entrevista do ministro Gilmar Mendes em que ele afirma que muitas informações foram plantadas na imprensa por “gangsters, bandidos”. Oito minutos da gravação foram, transcritos pelo portal. Leia:
Pergunta - Como fica essa história que o ministro Jobim disse, que não teve esse teor de conversa exatamente como o senhor falou? Um diz uma coisa, outro diz outra.
Se eu fosse Juruna eu gravava a conversa, né? Ficaria interessantíssimo.
Pergunta - O que o senhor acha da situação toda? Leu a Carta Maior? A informação de que o senhor teria viajado num jatinho?
Não viajei em jatinho coisa nenhuma. Até trouxe para vocês [documentos] para encerrar esse negócio. Vamos parar com fofoca. A gente está lidando com gangsters. Vamos deixar claro: estamos lidando com bandidos. Bandidos. Bandidos que ficam plantando essas informações. Vocês se lembram do Gilmar de Mello Mendes [em 2007, o nome "Gilmar de Melo Mendes" apareceu em uma suposta lista da Polícia Federal de suspeitos de receber "presentes" da empresa Gautama, suspeita de fraudes em licitações. Posteriormente, a PF disse que se tratava de um homônimo, ex-secretário no governo de Sergipe].
É o mesmo nível de informação. Estamos lidando com gângsters. Está aqui. A minha viagem para Berlim, a partir de Granada. Vocês têm todos os documentos com hotéis. Tem o voo TAM voltando de....
Chega de lidar com bandidos. Gângsters. Pegam essas informações e ficam plantando. Que nível. E com pouca inteligência. Aparece o Demóstenes dizendo lá que estava comigo. Guarulhos, Brasília com os pontos. Vamos parar com confusão, vamos parar com molecagem.
Vamos encerrar isso. Negócio de viagem. Por que não se esclarece isso? Vamos dizer que o Demóstenes me oferecesse uma carona num avião, se ele tivesse. Teria algo de anormal? Eu fui duas vezes a Goiânia a convite do Demóstenes. Uma vez com Jobim e Toffoli. E outra vez com Toffoli e a ministra Fátima Nancy. Avião que ele colocou à disposição. Tudo combinado e muitos de vocês já ouviram. Tenho tudo anotado. Era avião da empresa Voar. Foi tudo combinado, público. Eu não estava escondendo nada. Por que esse tipo de notícia? Vamos dizer que eu tivesse pego um avião se ele tivesse me oferecido? Eu tinha algum envolvimento com o eventual malfeito dele? Que negócio é esse? Grupo de chantagistas, bandidos. Desrespeitosos.
Mas eles não querem me constranger não, queriam constranger o tribunal. É preciso encerrar de uma vez por todos com isso. Vamos encerrar com isso. Não quero ter relação com bandidagem e quem está fazendo isso é bandido.
É a mesma história de Gilmar de Mello Mendes. [Agora voltam com essas historinhas.] Hoje tem um roteiro no "Valor" dizendo das investigações: "Viagem a Berlim". Vocês sabem que desde 1979 frequento a Alemanha a todo tempo. Tenho uma filha que mora lá. Dou aula lá. Sou professor de Granada. Todo ano vou lá. Vocês vão ver, a minha passagem é tirada pelo Supremo. Quem pagou? Eu preciso que alguém pague a minha passagem, gente? O meu livro "Curso de Direito Constitucional" vendeu de 2007 até agora 80 mil exemplares. Dava para dar algumas voltas ao mundo. Não é viagem a Berlim. Vamos parar de conversa. Eu não preciso de ficar me apropriando de fundo sindical e nem de dinheiro de empresa.
Pergunta - Quando o senhor se refere a bandidos o senhor está se referindo às pessoas que fizeram as gravações?
Gente que está usando esse tipo de informação. É coisa de gangsterismo.
Pergunta - Onde o presidente Lula entra nessa história?
Ele recebeu esse tipo de informação. Gente que o subsidiou com esse tipo de informação e ele acreditou nela. Vamos encerrar com isso.
Pergunta - Ele estava passando essas informações adiante?
As notícias que me chegaram era que sim. De que ele era a central de divulgação disso.
Pergunta - Quem era a central?
O próprio presidente.
Estive com o embaixador Everton Vargas (em Berlim), que foi designado pelo Lula. Quem vai para Berlim clandestinamente vai a embaixada? Coisa de moleque e de baixa inteligência. É gente que não tem [meio] neurônio. Para esclarecer tudo isso bastava um telefonema para a embaixada. Não precisava se fazer essa rede de intriga que está se fazendo. Chega disso.
Pergunta - Quando o senhor diz que estão tentando coagir o Supremo, o que quis dizer?
O objetivo era melar o julgamento do mensalão. Dizer que o Judiciário está envolvido em uma rede de corrupção. Era isso. Tentaram fazer isso com o Gurgel e estão tentando fazer isso agora. Porque desde o começo eu assumi e não era para efeito de condenação. Todos vocês conhecem as minhas posições em matéria penal. Eu tenho combatido aqui o populismo judicial e o populismo penal.
Mas por que eu defendo o julgamento? Porque nós vamos ficar desmoralizados se não o fizermos. Vão sair dois experientes juízes, que participaram do julgamento anterior, virão dois novos, que virão contaminados por uma onda de susp.... Por isso, o tribunal tem que julgar neste semestre. Por isso que tem que julgar logo. E por isso essa pressão para que o tribunal não julgue. Vamos encerrar com isso.
Agora, eu que viajo o mundo, vou quatro vezes por ano à Comissão de Veneza, sou o representante do Brasil na comissão, preciso de alguém para pagar passagem para mim? Vamos parar de futrica. Não preciso ficar extorquindo van para obter dinheiro. O que é isso? Um pouco mais de respeito, p....
Pergunta - Réus do mensalão estariam envolvidos nessa tentativa de melar o julgamento?
Sei lá, mas alguém construiu essa lógica burra, irresponsável, imbecil. Mas construiu.
Pergunta - O senhor quando diz que o presidente Lula é a central de divulgação disso tudo...
Colegas de vocês que me disseram isso.
Pergunta - Quando o senhor falou que o presidente Lula tocou no assunto CPI, o senhor falou 'vai fundo na investigação'. Como ele reagiu?
Ele ficou decepcionado e disse assim: "E Berlim?" Aí eu expliquei a ele que em Berlim eu ia tanto quando ele ia a São Bernardo.
Pergunta - Por que o senhor avalia que ele ficou decepcionado?
Alguém passou essa informação infeliz para ele, errada. Esses roteiros meus de viagem são públicos. Vocês podem pedir no meu gabinete. Eu não vou escondido para lugar nenhum.
Pergunta - Na sua avaliação o presidente foi uma vítima desses gangsters ou estaria incluído nesse grupo de pessoas?
Acho que ele está sobreonerado com isso. Estão exigindo dele uma tarefa de Sísifo.
Pergunta - E essa tarefa seria adiar o julgamento?
Evidente que... [a tarefa dele seria adiar o julgamento].

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