Raiva do governo? Não dá
para fazer oposição assim
Uma das questões mais
curiosas do chamado “quadro político” do Brasil de hoje é a existência de um
dos governos mais intensamente odiados por seus adversários, que jamais pôs os
pés em Brasília. É o diabo, porque esse governo não está aí pela força: foi
eleito democraticamente, em eleições livres e limpas, por quase 58 milhões de
cidadãos, a maioria absoluta do eleitorado que foi votar nas eleições
presidenciais de 2018.
Fazer o que? Democracia
tem mesmo esses problemas; você é obrigado a fazer eleições, e nas eleições o
outro lado pode ganhar. Dá para odiar, é claro – mas, além de odiar, o que
precisamente pode fazer de útil quem está contra o governo Jair Bolsonaro, seu
ministério e seus generais? A resposta clássica é: fazer oposição consistente,
de um lado, e apresentar um ou mais nomes realmente viáveis para ganhar as
próximas eleições, de outro.
Do contrário, fica essa
coisa para lá de esquisita que temos hoje: raiva sem limites do governo e, ao
mesmo tempo, na vida real, céu de brigadeiro (ou mar de almirante) para esse
governo ir tocando muitíssimo à vontade a sua vida.
Grita-se muito alto,
assina-se muito “manifesto” de artista, a mídia vive praticamente em transe
contra o que considera o pior governo que o Brasil já teve e as crises, cada
vez mais fatais e cada vez mais curtas, não param nunca – só que não acontece
nada.
A origem dessa anomalia
está na falta, justamente, de uma oposição coerente e de alguma liderança que
possa ser levada a sério dentro dela, como mencionado acima. Oposição é algo
muito mais fácil de exibir em público do que praticar de verdade.
Protesto de rua contra o
presidente Jair Bolsonaro: oposição está perdida e prefere alimentar o ódio a
ser paciente e propositiva.| Foto: Nelson Almeida/AFP
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Para agir com eficácia,
qualquer força de oposição tem de fazer nexo – e no Brasil de hoje isso não
existe. É preciso ter um programa com propostas alternativas ao que o governo
está fazendo; é preciso dizer o que está errado e o que você vai fazer,
concretamente, para consertar isso. Você precisa ter condições, em suma, de
prometer que fará o contrário do que está sendo feito. Ninguém na oposição
clássica – PT e seus ajudantes, mais o que se chama de “esquerda” – está
fazendo esse trabalho. Quanto à liderança, tudo que se tem é um grande zero.
É difícil. O que a
oposição poderia propor de contrário ao que o governo está fazendo? Juros mais
altos? Aumento nos índices de desemprego? Mais inflação? Mais mulheres no
ministério? Retomada no número de homicídios, que caíram mais de 20% em um ano?
Entregar o país de volta às empreiteiras de obras públicas?
No terreno dos nomes para
liderar a oposição a coisa fica ainda mais opaca. Um nome desses, para ter
força real, precisa em primeiro lugar mostrar que é um candidato com chance de
ganhar de Bolsonaro na eleição de 2022. Onde está ele? Um outro problema sério
para os adversários do governo em geral, e para a esquerda em particular, é a
recusa de enfrentar Bolsonaro no seu campo e em seus termos. Querem ganhar do
presidente, estranhamente, acusando-o de agir como os seus eleitores esperam
que ele aja; não pode dar certo.
A questão é tirar
eleitores de Bolsonaro e trazê-los para o seu lado; ao invés disso, a oposição
passa o tempo todo dizendo que esses eleitores são “fascistas”. Fica complicado
atrair apoio desse jeito. Situação ruim no governo? Está pior fora dele.
J. R. GUZZO
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