Supremo tem seus limites institucionais
O Poder Judiciário não
ficaria à margem do processo de modernização por que passa o país desde a
redemocratização, institucionalizada pela Constituição de 1988, e iniciada três
anos antes com o fim da ditadura militar. Recuperados os espaços da democracia,
as instituições passaram a evoluir.
A imagem de um
conjunto de torres de marfim que foi criada sobre a Justiça vai ficando para
trás à medida que a nação avança no estado democrático de direito, e os
naturais conflitos surgidos numa sociedade complexa são mediados em tribunais
revitalizados por novas gerações de magistrados, assim como de procuradores, e
tornados mais eficazes por meio de modernização do arcabouço jurídico do país e
administrativa. O Supremo Tribunal Federal começou a ocupar espaços na
avaliação de temas candentes para a nação, como o combate à corrupção, e a
tomar decisões corretas sobre toda uma agenda de cunho social, passando a
atrair a atenção da sociedade como talvez nunca na sua história secular.
É neste contexto
que se instala rica polêmica sobre a decisão do presidente da Corte, Dias
Toffoli, de, na quinta-feira passada, anunciar a abertura de inquérito, e já
nomear um relator, ministro Alexandre de Moraes, para investigar “notícias
fraudulentas (fake news), denunciações caluniosas, ameaças (..) que atingem a
honorabilidade do Supremo Tribunal Federal, de seus membros e familiares”.
Alguns
ministros, privadamente, se declararam surpresos. Primeiro, porque,
confidenciaram, não foram consultados; depois, pela discordância das bases
legais do inquérito.
Para abrir a
investigação, Toffoli se sustentou no artigo 43 do regimento interno do STF.
Segundo o qual, inquéritos podem ser instaurados, “ocorrendo infração à lei
penal na sede ou dependência do tribunal” . Mas, nos casos citados pelo
presidente da Corte, não houve nenhuma dessas situações, o que remete a um
entendimento largo de que cada ministro é uma sede ambulante do STF, não
importa onde esteja.
O centro
nevrálgico da discussão, porém, é outro: Toffoli descumpriu o rito
institucionalizado, estabelecido em lei (artigo 40 do Código de Processo
Penal), pelo qual denúncias, mesmo do Supremo, precisam ser encaminhadas à
Procuradoria-Geral da República, o Ministério Público, que decidirá ou não
pedir a instalação de inquérito à Justiça e mobilizar a polícia. E o foro
jurídico, já decidido pelo presidente da Corte como sendo o Supremo, é definido
pelo acusado, não pela vítima. A Corte seria o tribunal a julgar os casos, se
ministros fossem os acusados.
De forma
previsível, a procuradora-geral, Raquel Dodge, logo se pronunciou contra o
inquérito. E, na edição da noite de terça-feira do “Jornal Nacional”, o
ministro Marco Aurélio Mello, o primeiro da Corte a falar publicamente do
assunto, fez o mesmo, citando o artigo 40 do CPP. “Somos o Estado julgador e
devemos manter a necessária equidistância quanto a alguma coisa que surja em
termos de persecução (investigação, processo) criminal”. Faltou o “Estado denunciador”,
o Ministério Público.
Parece um debate
de questiúnculas jurídicas, mas não é. Tem a ver com o equilíbrio entre os
poderes numa democracia representativa. Apesar do nome “Supremo”, o STF não
pode tudo — como ele mesmo denunciar, investigar e julgar. Teria poderes de um
Estado autoritário.
A ordem
institucional estará rompida se o Executivo e o Legislativo seguirem o exemplo.
O presidente Dias Toffoli deve orientar o ministro Alexandre de Moraes a fazer
o levantamento dos casos que considera de ameaças e de difamação, para
encaminhá-los à Procuradoria-Geral da República, a fim de que seja aberto o
devido inquérito.
Editorial do Portal G1