O que “destrói empresas”
não
é a Lava Jato, mas a
corrupção
A longa série “A Lava Jato
foi boa para o país, mas...”, em que se acrescenta nas reticências qualquer
tipo de mal ou irregularidade para denegrir a operação, ganhou um novo capítulo
nesta segunda-feira, por cortesia do presidente do Supremo Tribunal Federal,
ministro Dias Toffoli. Desta vez, a ressalva foi a de que a operação “destruiu
empresas”, com o acréscimo, por parte do magistrado, de que “isso jamais
aconteceria nos Estados Unidos. Jamais aconteceu na Alemanha. Nos Estados
Unidos tem empresário com prisão perpétua, porque lá é possível, mas a empresa
dele sobreviveu”.
Não chega a ser um
argumento novo. Já foi usado pela ex-presidente Dilma Rousseff e por vários de
seus ministros, que jogaram nas costas da Lava Jato até mesmo a culpa pela pior
recessão da história do país. Em julho de 2015, durante reunião ministerial,
Dilma afirmou que a Lava Jato havia reduzido o Produto Interno Bruto nacional
em 1% – o que equivaleria a pouco mais de R$ 50 bilhões, em valores da época.
No mês seguinte, em audiência na Câmara dos Deputados, Aloizio Mercadante,
então ministro-chefe da Casa Civil, falou em um impacto de até 3,5% do PIB,
citando estudos feitos por consultorias. Este impacto consistiria especialmente
na redução de investimentos, seja da Petrobras, seja de todas as empreiteiras
envolvidas no esquema desvendado pela Lava Jato.
Não é a Lava Jato que destrói empresas,
mas a opção de
seus donos pela corrupção,
punida com a correta aplicação da lei
Em primeiro lugar, é mais
que óbvio que não haveria impacto algum se todos os atores tivessem agido com
honestidade. Nem na Alemanha, nem nos Estados Unidos – para usar os exemplos de
Toffoli – houve um esquema como o petrolão, em que o governo aparelhou uma
empresa estatal e usou seus contratos para colocar em funcionamento um esquema
bilionário de propinas com o objetivo de fraudar a democracia e perpetuar um
projeto partidário de poder. E, se houve o esquema, a melhor coisa que poderia
ter ocorrido ao país foi a sua descoberta, graças ao trabalho de instituições
como a Polícia Federal e o Ministério Público Federal, permitindo que a
sociedade conhecesse em detalhes como o Brasil foi saqueado e quem foram os
responsáveis por isso. A alternativa, é claro, seria que tudo continuasse
funcionando nas sombras, com todos os investimentos fluindo da forma prevista –
bem como as propinas.
E, se também as empresas,
e não apenas os empresários, sofreram as consequências do fato de a Lava Jato
terem desmontado o esquema de propinas, isso se deu porque as leis do país
assim o determinam – principalmente a Lei de Licitações e a Lei Anticorrupção,
esta última sancionada em 2013 por Dilma. Toffoli deveria saber disso, pois,
quando deu seu voto decisivo para derrubar a prisão após condenação em segunda
instância (o que, aliás, levaria à soltura de alguns empreiteiros pegos pela
Lava Jato), alegou justamente a soberania do povo exercida por meio de seus
representantes, que teriam aprovado a redação atual do Código de Processo
Penal. Ora, o que vale para o CPP também vale para a Lei de Licitações e a Lei
Anticorrupção.
Assim, a crítica de
Toffoli simplesmente não procede. Não é a Lava Jato que destrói empresas, mas a
opção de seus donos pela corrupção, punida com a correta aplicação de uma lei
devidamente aprovada pelo Congresso Nacional. Pode-se questionar se a
estratégia de castigar também as empresas, quando elas estão implicadas em
escândalos de corrupção, é razoável. Mas, se uma companhia colabora, por meio
de seus donos e executivos, para defraudar o governo, nada mais natural que
essa empresa sofra as sanções previstas na legislação, como multas e a
declaração de inidoneidade, que a impede de celebrar novos contratos com o
poder público – foi o que ocorreu, por exemplo, com a alemã Siemens, condenada
a pagar pesadas multas em seu país de origem por um esquema descoberto em 2007
e que ficou proibida de participar de licitações do Banco Europeu de
Investimentos até 2014. Além disso, no caso brasileiro, a legislação também
contempla maneiras de as pessoas jurídicas mitigarem as punições aplicadas, por
meio da cooperação com os órgãos de investigação.
Neste caso – e em muitas
outras acusações injustamente lançadas contra a Lava Jato – não existe “mas”.
De fato, obras foram interrompidas, brasileiros perderam seus empregos, e
algumas empreiteiras envolvidas no esquema realmente enfrentam dificuldades,
estando em recuperação judicial. Mas a Lava Jato nem de longe é a causa desse estado
de coisas; afirmar o contrário, como acabou de fazer o presidente do STF, é
errar completamente o alvo. É como culpar quem abre as janelas pela imundície
no quarto, quando na verdade a luz do sol, nas célebres palavras de Louis
Brandeis – também ele um membro de suprema corte, no caso a norte-americana –
não é a causa da sujeira, mas sim “o melhor desinfetante”.
Gazeta do Povo – 16.12.2019
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