Milícias digitais
cometeram qual crime, afinal?
Coisas que começam mal
têm, naturalmente, a tendência de acabar mal, ou ainda pior do que começaram.
Mas, para a nossa sorte geral – e sem um mínimo de sorte ninguém chega vivo nem
aos três anos de idade – há uma porção de questões neste mundo que começam mal
e acabam dando em nada. Um dos melhores exemplos recentes é o começo de
temporal que se formou, e já se desmanchou, em torno das “milícias digitais”.
Que raio seria isso?
Pelo que foi possível
entender, na rápida sucessão de ruídos formada em torno do assunto, são grupos
de pessoas, aparentemente organizados em torno de algum tipo de comando, que
escrevem no “lado escuro” das redes sociais de comunicação. Divulgam, de acordo
com as acusações feitas contra eles, notícias falsas, praticam a difamação
generalizada e cometem o que se chama de “assassinato de reputações” – além de
espalharem, é claro, o “discurso do ódio”. Falou-se também de sombrias questões
de dinheiro. Os militantes das milícias receberiam pagamento por sua atuação na
internet.
O problema central neste
episódio é que não ficou claro qual o delito objetivo que as pessoas acusadas
de pertencerem às “milícias” realmente praticaram. Listas de nomes foram
divulgadas. Culpas foram atribuídas a eles. Colocou-se em dúvida as suas
intenções, ou “reais intenções”. Mas o que ficou claro, no fim das contas, foi
o seguinte: a liberdade de expressão é um direito complicado de se exercer no
Brasil de hoje.
Pode isso, não pode
aquilo. O senhor ou a senhora “A” podem dizer o que querem; o senhor e a
senhora “B” não podem. O pecado capital, aparentemente, é ser “de extrema
direita”, ou agressivo em excesso contra os inimigos do governo ou violento na
linguagem – ou tudo isso ao mesmo tempo. O que não se leva em conta é que a lei
assegura a todo cidadão brasileiro o direito de falar sobre os assuntos que
quiser. Não estabelece quem está autorizado a falar, e quem não está.
Garante, acima de tudo,
que qualquer pessoa pode ser a favor, contra ou neutro em relação a qualquer
coisa que lhe dê na telha – e tem, naturalmente, de assumir as
responsabilidades legais pelo que publicou. A história começa e acaba aí. A
Constituição diz apenas que a expressão no pensamento é livre no Brasil; não
diz nada sobre como ela pode ser exercida, ou como deve ser regulada.
As redes sociais estão
sendo usadas de maneira desonesta, suja, desleal, mentirosa, violenta? Sim,
estão. Publicam mentiras? Sim, publicam. Há excessos de agressividade, de
intolerância e de rancor? Sim, há. Mas o único juiz de tudo isso tem de ser o
público – é a ele, e a mais ninguém, que cabe decidir o certo e o errado na
internet, ou em qualquer outra plataforma de comunicação. Se está de acordo, o
público aprova. Se está contra, não aprova.
O que não pode haver é uma
"Polícia de Vigilância da Virtude" com pretensões a patrulhar o que
se diz nas redes sociais. Não pode haver, sobretudo, licença para a caça de
bruxas. No caso das “milícias”, pessoas perfeitamente privadas e desconhecidas
das grandes massas que deveriam influenciar foram atingidas por uma penca de
acusações sem provas.
Não se provou que recebem
pagamento pelo que fazem, o que em si não é ilegal, aliás – o que não foi
demonstrado é que recebem dinheiro público, ou de organizações criminosas. Não
se provou que fazem parte de uma conspiração ilegal. Não se provou que tenham
praticado os crimes de calúnia, difamação ou injúria, previstos nos artigos
138, 139 e 140 do Código Penal. Aí sim: gente que não fez nada de mal teve a
sua reputação efetivamente atingida.
Quanto ao “discurso do
ódio”, etc, nem vale a pena entrar no assunto. “Discurso do ódio” tornou-se
tudo aquilo que é dito por pessoas que têm opiniões contrárias às suas – assim
como “extremista” é quem não concorda com você. Melhor deixar quieto.
J R Guzzo
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