A pobreza
diminui, a miséria continua
Uma
sociedade pode ser avaliada com base em médias, sobretudo em termos de
desempenho ao longo de um dado número de anos ou décadas. Na economia, há
indicadores como produto médio por habitante (que é a mesma coisa que renda per
capita), renda salarial média dos trabalhadores, lucratividade média das
empresas, taxa média da população atendida pelo sistema de saúde, número médio
de anos de escolaridade das crianças, consumo médio de calorias diárias por
pessoa, etc. Na área social, taxa média de mortalidade infantil, expectativa
média de vida, média regional de domicílios atendidos com água tratada e esgoto
sanitário, média de habitações dignas para cada mil habitantes etc. Esses e
outros tantos índices são usados para medir o crescimento econômico, as condições
sociais e o nível de desenvolvimento do país.
O problema
das médias é que elas escondem as tragédias que há por trás dos extremos,
tragédias que somente podem ser compreendidas em sua dimensão e gravidade
quando se analisa a situação e se examinam os dados em seus detalhes e com
metodologia científica válida. Esse tipo de situação vem acontecendo no atual
momento da sociedade brasileira e, por divulgação insuficiente e pela falta de
compreensão por grande parte da população, a extensão de certas tragédias não é
conhecida ou não causa mais indignação. Recentes estudos com base na Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad
Contínua), realizada pelo IBGE para produzir continuamente informações
sobre mercado de trabalho, associadas a características demográficas e
educacionais, usando parâmetros dados pelo Banco Mundial, mostram que a lenta
recuperação da economia gerou modesta redução da pobreza média do Brasil, mas
as taxas de miséria continuam.
O desemprego
e a pobreza extrema
constituem as duas maiores tragédias
socioeconômicas do Brasil
socioeconômicas do Brasil
Durante
quatro anos seguidos, de 2014 a 2017, sobretudo em função da grave recessão de
2015-2016, a chamada pobreza extrema (quando está próxima da fome) cresceu,
atingiu níveis alarmantes e constitui um gravíssimo problema social. Embora
tenha havia melhora nos números relativos em 2018, com redução da pobreza, a
miséria prossegue e não dá sinais de redução. Segundo estudos compilados pela
LCA Consultoria, com base na Pnad Contínua, 8,3 milhões de brasileiros
tornaram-se pobres de 2015 a 2017, e isso fez o país chegar a 54,1 milhões de
pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza no início de 2018 – "linha de
pobreza" é a expressão usada para descrever o valor de renda abaixo
da qual uma pessoa não dispõe de condições para obter os recursos necessários
para viver.
Ao fim de
2018, o número de pobres caiu para 52,8 milhões – portanto, com 1,3 milhão de
pessoas que melhoraram sua condição de vida –, mas o número total de pobres
ainda é trágico. Os parâmetros usados para compilação dos dados são aqueles
utilizados pelo Banco Mundial, que considera a pobreza quando a renda por
pessoa é de até US$ 5,50 por dia (o equivalente a R$ 421 por mês). Para a
pobreza extrema, ou miséria, a linha de corte é a renda de US$ 1,90 por dia (ou
R$ 145 mensais). A miséria atingia 13,6 milhões de pessoas em 2018, o que
equivalia a 6,5% da população total. O desemprego e a pobreza extrema
constituem as duas maiores tragédias socioeconômicas do Brasil e é importante
que esses dados sejam publicados, debatidos e repetidos, como meio de aumentar
a indignação social a fim de que a sociedade brasileira estabeleça como
objetivo enfrentar com seriedade esse flagelo social.
É preciso
falar disso, insistir no assunto e provocar o debate tanto quanto possível,
principalmente porque aquele que é o maior responsável por resolver o problema
– o setor estatal – vem agravando a concentração de renda em razão de sua
própria existência e seus gastos. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea) há tempo vem gerando estudos demonstrando que, apesar dos programas
sociais, o setor estatal brasileiro consolidado (municípios, estados, União e
empresas estatais) tem sido um agente concentrador de renda. Mesmo assim,
determinados segmentos das corporações estatais e determinadas categorias de trabalhadores
nos três poderes não demonstram o menor constrangimento em exigir e conceder a
si mesmos salários, vantagens, benefícios e mordomias. Ressalvadas as exceções
de praxe, a pobreza, a miséria e a indignação da população parecem não
sensibilizar boa parte dos políticos e das corporações estatais para a
injustiça social que tal quadro representa.
Gazeta do Povo
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