Os julgamentos anulados da
Lava Jato
e a modulação necessária
O Supremo Tribunal Federal
impôs mais uma derrota à Operação Lava Jato na semana passada, quando anulou
mais uma condenação judicial sob o argumento de que um réu não delator foi
privado de oferecer suas alegações finais depois de um réu que fez colaboração
premiada. Em agosto, a Segunda Turma já tinha derrubado a condenação do
ex-presidente do Banco do Brasil e da Petrobras Aldemir Bendine; agora, foi a
vez de o plenário da corte, por seis votos a quatro, anular a sentença do
ex-gerente da Petrobras Márcio de Almeida Ferreira, condenado pelo então juiz
Sergio Moro por corrupção e lavagem de dinheiro. Resta, no entanto, uma
controvérsia importante: qual será, afinal, a jurisprudência que a corte
adotará para julgar recursos semelhantes que estão chegando à corte? O
presidente do STF, Dias Toffoli, prometeu sugerir uma modulação nesta
quarta-feira e, a depender do que ele sugerir – e do que o plenário fizer com
sua proposta –, a corte pode restaurar o bom senso ou afundar de vez no
formalismo jurídico, com todas as suas consequências nefastas.
Que o Supremo estabeleça
uma regra para ser seguida a partir deste momento é algo bem menos controverso.
Por mais que o artigo 403 do Código de Processo Penal não estabeleça prioridade
entre corréus no momento da entrega das alegações finais, o STF não estaria
legislando se estabelecesse uma sequência que seja aplicada nos processos ora
em curso e nos futuros: primeiro, a acusação, evidentemente; depois, corréus
delatores; e, por fim, os demais corréus. Trata-se apenas de afastar situações
que ameacem o contraditório e a ampla defesa, previstos no inciso LV do artigo
5.º da Constituição. É no procedimento relativo aos julgamentos já concluídos
que mora o perigo.
Para que um julgamento
seja anulado é necessário demonstrar que houve prejuízo concreto ao réu não
delator que foi condenado
Como já tivemos a
oportunidade de explicar neste espaço, a tese segundo a qual o simples fato de
colaboradores e demais réus terem de entregar suas alegações finais ao mesmo
tempo já bastar para a nulidade é absurda, revelando um formalismo que ignora
as circunstâncias concretas de cada caso. Ora, se o Código de Processo Penal
foi seguido à risca, para que um julgamento fosse anulado seria necessário
demonstrar que houve prejuízo concreto ao réu não delator que foi condenado.
Aqui, é possível verificar uma evolução na posição da ministra Cármen Lúcia. Em
agosto, no caso de Bendine, ela havia votado pela anulação baseando-se
simplesmente na tese formalista, sem levar em conta os detalhes do caso
específico. Desta vez, mesmo defendendo a posição de que réus não delatores
devem entregar suas alegações finais por último, ela votou contra o habeas
corpus a Ferreira porque a defesa não conseguiu comprovar que o ex-gerente da
Petrobras tinha sido prejudicado. O dano, afirmou a ministra na quinta-feira,
não pode ser presumido, tem de ser demonstrado.
Este é um dos pontos
essenciais que esperamos estar presente na modulação sugerida por Toffoli. A
julgar pelo fato de as condenações de Bendine e Ferreira já terem sido
anuladas, parece quase impossível que vigore a sugestão de Luiz Fux, para quem
a nova regra só deveria valer a partir de agora, sem embasar nulidades em
julgamentos concluídos. Muito provavelmente Toffoli irá propor critérios que
poderão, sim, anular condenações passadas, e aqui o argumento de Cármen Lúcia é
de grande valia. Se não ficar demonstrado que, nas alegações finais, os
delatores trouxeram elementos novos; que o réu incriminado por esses elementos
não teve tempo hábil para se defender dessas novas acusações; e que elas foram
levadas em conta na sentença condenatória, não há por que considerar nulo o
julgamento.
O grande problema, aqui, é
que, observando os votos da semana passada, esta possibilidade de modulação –
que prevê a nulidade apenas quando observado o prejuízo concreto – não é
majoritária no plenário. Tanto o relator, Edson Fachin, quanto Cármen Lúcia
foram enfáticos ao mostrar que Ferreira não tinha sido prejudicado, e mesmo
assim seis ministros votaram pela concessão do habeas corpus – incluindo o próprio
Toffoli –, baseando-se na tese formalista. Será preciso que o próprio
presidente da corte e mais alguns ministros percebam a gravidade do que
acabaram de fazer; se mantiverem seu posicionamento, estarão fomentando
insegurança jurídica e instabilidade social em um país cansado de impunidade.
Gazeta do Povo
Nenhum comentário:
Postar um comentário