sexta-feira, 9 de agosto de 2019






No STF, Lula tem prioridade sobre quem está
morrendo sem remédios. E não adianta reclamar


De um lado, um ex-presidente condenado por corrupção e lavagem de dinheiro que atualmente ocupa uma sala (não cela) relativamente confortável na sede da Polícia Federal em Curitiba. De outro, um morador de rua alcoólatra que ficou preso durante anos por roubar uma bermuda de R$10 e uma mulher que precisava que o Estado lhe desse um medicamento de alto custo.

No meio disso tudo, um Supremo Tribunal Federal que segue os mais demorados trâmites burocráticos quando se trata de tirar um pobre da prisão e de dar um remédio caro a uma doente, mas que é ágil e eficiente quando se trata de garantir privilégios a um ex-presidente.

Justiça-relâmpago para Lula

A juíza Carolina Lebbos, da 12ª. Vara Federal de Curitiba, determinou que o ex-presidente Lula fosse transferido para São Paulo às 8h33. A decisão não agradou a defesa do ex-presidente, que recorreu ao STF para impedir que ele cumprisse pena no presídio de Tremembé.

Convocado às pressas para tentar alguma manobra que impedisse Lula de ir para um presídio comum, o advogado Cristiano Zanin e seus assistentes escreveram uma petição para o ministro do STF Gilmar Mendes, na qual pedia que Lula fosse posto em liberdade ou que, na impossibilidade disso, fosse mantido na sede da Polícia Federal em Curitiba.

A petição foi protocolada no Supremo Tribunal Federal às 14h06, cinco horas e meia depois da decisão de Lebbos. Durante este tempo, instalou-se a polêmica. Paulo Okamoto, diretor do Instituto Lula, disse que a transferência do ex-presidente era uma humilhação imposta a Lula. O governador de São Paulo, João Dória, se manifestou para, com ironia, dizer que Lula seria muito bem recebido em Tremembé, onde estão presos criminosos famosos como Alexandre Nardoni e Gil Rugai.


Uma vez protocolada a petição, foi a vez de deputados do Partido dos Trabalhadores, liderados por Gleisi Hoffmann, abandonarem a votação do segundo turno da Reforma da Previdência, em andamento na Câmara dos Deputados, atravessarem a Praça dos Três Poderes e irem ao STF para fazer pressão.

Três horas (horas!) depois de a petição de Zanin entrar no sistema do STF, o plenário se reuniu para tomar uma decisão sobre o caso. Por volta das 17h30, os ministros decidiram, por 10 votos a 1, que Lula não poderia ser transferido para São Paulo.

Bermuda de R$10

Mas nem sempre o Supremo Tribunal Federal é tão rápido e generoso. No dia 17 de novembro de 2011, por exemplo, o morador de rua Evanildo José Fernandes de Souza furtou de uma loja uma bermuda avaliada na época em R$10. Isso mesmo: dez reais. A bermuda foi posteriormente devolvida, mas Evanildo acabou preso mesmo assim.

No dia 16 de maio de 2017, às 16h23, a Defensoria Pública de Minas Gerais protocolou no STF um pedido de habeas corpus para Evanildo, que estava preso, vale lembrar, há cinco anos e meio por causa do furto de uma bermuda que já tinha sido até devolvida à loja. A defesa alegava que o morador de rua deveria ser posto em liberdade de acordo com o Princípio da Insignificância – que, em linhas gerais, determina que não cabe ao Direito Penal se importar com bagatelas, e condutas inofensivas, incapazes de “lesar o bem jurídico”. Ou seja, o furto de uma bermuda de R$10.

Apesar da prioridade que consta no Regimento Interno e apesar do Princípio da Insignificância, o ministro Dias Toffoli, encarregado de analisar o habeas corpus de Evanildo, decidiu negá-lo no dia 1º. de junho de 2018 – mais de um ano depois de protocolado o pedido da defesa.

Diante da repercussão negativa do caso, Toffoli voltou atrás no dia 31 de agosto de 2018. Ainda assim, Evanildo ficou preso durante quase sete anos pelo furto de uma bermuda de R$10.

Ao contrário do caso de Lula, contudo, a defesa de Evanildo não teve o direito, ou melhor, o privilégio de recorrer diretamente ao Supremo. O assunto foi tratado, primeiro, pelo Conselho Penitenciário, depois pelo tribunal recursal e pelo Superior Tribunal de Justiça. Só então o STF foi acionado.

Fonte: Gazeta do Povo

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