Deltan Dallagnol e o
julgamento no CNMP
O inciso LVI do artigo 5.º da Constituição Federal não poderia ser mais claro: “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. Ninguém pode ser processado, muito menos condenado, com base unicamente em evidências de origem ilegal. Os chamados “operadores do direito” – advogados, magistrados, membros do Ministério Público – deveriam estar entre os primeiros a ter isso muito claro em mente, mas, a julgar por alguns movimentos recentes, essa regra tão cristalina está sendo ignorada.
Os dois representantes da
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Conselho Nacional do Ministério Público
(CNMP), Erick Venâncio Lima do Nascimento e Leonardo Accioly da Silva, pediram
que o órgão desarquive uma reclamação disciplinar contra o procurador Deltan
Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato no MPF paranaense.
Em junho, Nascimento, Accioly e outros dois conselheiros – Luiz Fernando
Bandeira de Mello (indicado pelo Senado) e Gustavo Rocha (indicado pela Câmara
dos Deputados, e que já deixou o CNMP) – pediram a instauração de uma
sindicância, baseando-se nos supostos diálogos publicados pelo site The
Intercept Brasil e atribuídos a Dallagnol e ao então juiz federal Sergio Moro,
hoje ministro da Justiça.
Os descontentes com o combate
à ladroagem aproveitam
o estardalhaço feito pelo
Intercept para tentar desmoralizar
Sergio Moro e a
força-tarefa da Lava Jato
O corregedor Orlando
Rochadel Moreira, depois de ouvir a defesa de Dallagnol e outros membros da
força-tarefa, tomou a única decisão aceitável: mandou arquivar o procedimento,
alegando justamente a determinação do inciso LVI do artigo 5.º da Carta Magna.
Afinal, as supostas mensagens foram obtidas por meio de um crime, a violação da
comunicação telefônica do procurador, e o quarteto responsável pelo pedido
original não apresentou mais nenhuma outra evidência para justificá-lo.
Portanto, ainda que as mensagens fossem verdadeiras (o que Dallagnol nega), e
ainda que elas revelassem alguma conduta reprovável (o que Rochadel também
rejeitou), Dallagnol jamais poderia ser punido pelo CNMP com base nas
publicações do Intercept.
Agora, um novo relator
será designado para analisar se o arquivamento será mantido ou se haverá
sindicância, e seu parecer será submetido ao plenário do conselho. Em outras
palavras, conselheiros não estão pensando duas vezes antes de desperdiçar
tempo, energia e recursos do CNMP para prejudicar Dallagnol em uma demanda que
atropela claramente a Constituição.
Em outra frente aberta
contra Dallagnol no CNMP, o coordenador da força-tarefa da Lava Jato sofreu uma
derrota ao ter negado um recurso pedido a suspensão de outro processo
administrativo disciplinar, resultante de uma queixa do atual presidente do
STF, ministro Dias Toffoli, e referente a uma entrevista dada pelo procurador à
rádio CBN em agosto de 2018. A decisão desta terça não representa nenhuma
punição a Dallagnol; significa apenas que o PAD aberto em abril deste ano deve
continuar, com o julgamento ocorrendo em outra ocasião ainda a definir.
Na entrevista, Dallagnol
criticava uma decisão da 2.ª Turma do Supremo que tirou de Curitiba e enviou
para o Distrito Federal e para a Justiça Eleitoral trechos de depoimentos de
executivos da Odebrecht que mencionavam o ex-presidente Lula e o ex-ministro Guido
Mantega. O procurador disse que “os três mesmos de sempre (...) dão sempre os
habeas corpus, que estão sempre se tornando uma panelinha assim... que mandam
uma mensagem muito forte de leniência a favor da corrupção”, mas ressalvando
que “objetivamente, não estou dizendo que estão mal-intencionados, estou
dizendo que objetivamente mandam uma mensagem de leniência” – os “três mesmos
de sempre” eram Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, que de fato
costumavam formar maioria em decisões benéficas aos réus da Lava Jato no STF.
Ao contrário do caso
envolvendo o Intercept, em que o dispositivo constitucional em questão não
admite nenhuma interpretação que justifique um processo, aqui há margem para
subjetividade na análise do suposto choque entre a liberdade de expressão do
procurador, a proteção da honra dos ministros e as regras que regem a conduta
dos membros do MP. Mesmo assim, como já explicamos neste espaço, não nos parece
que Dallagnol tenha ultrapassado os limites regimentais: sua crítica foi
dirigida a atos concretos, com o cuidado de não imputar má-fé a Toffoli, Mendes
ou Lewandowski, e foi feita dentro de um debate legítimo sobre assuntos de
interesse público.
Mesmo sem a comprovação da
autenticidade das mensagens, o estardalhaço promovido pelo Intercept forçou a
Lava Jato a entrar na defensiva, quando poderia estar totalmente focada na
continuação das investigações sobre um dos maiores escândalos de corrupção da
história do país. Os descontentes com o combate à ladroagem, sentindo cheiro de
sangue, buscam aproveitar a oportunidade para tentar desmoralizar Moro e a
força-tarefa. O Conselho Nacional do Ministério Público tem a chance de
rejeitar essas investidas, preservando as garantias constitucionais e a
liberdade de expressão.
Gazeta do Povo
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