Privatizações em jogo no STF
O futuro de parte importante do plano
de privatizações e de redução do tamanho do Estado elaborado pelo governo Jair
Bolsonaro será decidido nos próximos dias, no Supremo Tribunal Federal (STF).
Os ministros decidirão se estatais como Petrobras e Eletrobrás precisam de aval
legislativo para vender subsidiárias, um processo que o Supremo bloqueou
liminarmente e que faz parte dos planos de desinvestimento e recuperação
econômica das duas gigantes estatais. Na sessão de quinta-feira passada, o
ministro Ricardo Lewandowski leu seu relatório, mas ainda não proferiu voto,
embora as liminares concedidas por ele em 2018 apontem para uma posição
desfavorável às empresas. O julgamento será retomado na quarta-feira, dia 5, e
deve tomar mais duas sessões da corte.
A controvérsia começou com a
Eletrobrás, que em 2018 tentou vender subsidiárias praticamente falidas em
estados do Norte e Nordeste do Brasil. Partidos políticos e sindicatos de
funcionários dessas empresas recorreram ao Supremo, e Lewandowski atendeu a
todos os pedidos em junho do ano passado. Com isso, a Petrobras também
suspendeu um programa de desinvestimento, apesar de, à época, não ser alvo das
ações judiciais. Mas, em janeiro, a estatal do setor de petróleo anunciou a
intenção de se desfazer de três refinarias e duas subsidiárias, TAG e Ansa. Os
sindicatos foram à Justiça e o ministro Edson Fachin, seguindo o precedente
aberto por Lewandowski, suspendeu as vendas em liminar de 24 de maio.
A participação direta do governo na
atividade
econômica é exceção, e não regra
Na decisão que barrou a venda de
subsidiárias da Eletrobrás, no entanto, Lewandowski inseriu uma inovação que
não existe nem na Constituição, nem na legislação ordinária que trata dos programas
governamentais de desestatização. Como o artigo 173 da Carta Magna exige a
aprovação de um projeto de lei no Legislativo para autorizar o Executivo a
criar qualquer empresa pública, Lewandowski simplesmente concluiu que a mesma
regra valeria quando o governo quer se desfazer de uma estatal. No entanto, o
artigo 177 da Constituição e a Lei 9.491/97 já são bastante explícitas quanto
às privatizações que exigem aval legislativo: aquelas que envolvem monopólios
da União e aquelas nominalmente citadas na lei do Programa Nacional de
Desestatização. Petrobras, Eletrobrás, Caixa Econômica Federal e Banco do
Brasil, por exemplo, precisariam de uma lei específica para serem privatizadas.
Quanto a todas as demais estatais, ou subsidiárias, nem uma palavra, ou seja: o
legislador não quis impor nesses casos as restrições que havia estipulado para
as “joias da coroa”.
E há uma razão muito simples para
exigir aval do Legislativo para a criação de qualquer estatal, mas não para sua
privatização: a participação direta do governo na atividade econômica é
exceção, e não regra. O mesmo artigo 173 da Constituição invocado por
Lewandowski diz, em seu caput, que, “ressalvados os casos previstos nesta
Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será
permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a
relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”. Estatais são o
extraordinário, não o ordinário. O protagonismo na atividade econômica cabe ao
setor privado. Criar uma estatal é introduzir uma anormalidade, e por isso
justifica-se a aprovação do Legislativo; desfazer-se de uma é retornar à
normalidade, e por isso tal processo deveria ser facilitado – como, aliás, quis
o legislador, com as exceções que já citamos. Dificuldades como as impostas por
Lewandowski, além de não constarem no nosso ordenamento jurídico, jamais
passariam pelo crivo da proporcionalidade.
Nossas convicções: Menos Estado e
mais cidadão
Uma decisão que consagre a invenção
de Lewandowski será um bálsamo para sindicatos empenhados em manter sob o
controle do Estado empresas em situação de penúria, punindo todos os demais
cidadãos, obrigados a bancar o prejuízo; e para políticos que enxergam essas
empresas como feudos particulares, nomeando apadrinhados para diretorias e
gerências em troca de apoio parlamentar. Mas será um desastre para o país,
espantando investimentos. Afinal, se o Judiciário pode simplesmente criar
regras não previstas na lei para bloquear uma privatização, que segurança terá
o investidor interessado na aquisição – e recuperação – dessas empresas? Que,
ao analisar o caso, os ministros tenham a sensatez de se ater à intenção do
legislador, respeitando as prerrogativas do Poder Executivo e compreendendo
corretamente o papel do Estado na atividade econômica.
Gazeta do Povo – 03/06/2019
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