Moro, Dallagnol e o
vazamento de conversas
Ao longo de toda a sua
atuação na Operação Lava Jato, o procurador da República Deltan Dallagnol,
coordenador da força-tarefa que investiga o mega escândalo de corrupção, e o
ex-juiz federal Sergio Moro, hoje ministro da Justiça, sempre foram alvo de
críticas daqueles que arquitetaram a pilhagem das estatais para fortalecer o
projeto de poder petista. Acusações de parcialidade – uma delas, contra Moro,
está para ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal –, de messianismo e até
mesmo de desrespeito às garantias mais básicas do Estado Democrático de
Direito, tão frequentes quanto infundadas, cresceram em intensidade quando a
Lava Jato chegou ao ex-presidente Lula, hoje corrupto condenado em três
instâncias da Justiça brasileira.
Os críticos da Lava Jato
ganharam um presente nos últimos dias: a divulgação de supostas conversas entre
Moro e Dallagnol, cujo conteúdo teria sido obtido por um hacker e enviado ao
site de esquerda The Intercept, que por sua vez vem divulgando o que alega ser
a troca de mensagens. As reportagens publicadas até o momento não oferecem
provas consistentes (como capturas de tela) de que efetivamente se trata do
diálogo entre o então juiz e o procurador; por outro lado, até agora nenhum dos
personagens envolvidos negou que o conteúdo das mensagens fosse verdadeiro.
Qualquer conclusão até o
momento
será totalmente precipitada
Com a divulgação das
mensagens obtidas ilegalmente, a esquerda inicia uma nova tentativa de impor a
fábula segundo a qual a Lava Jato não passaria de uma conspiração para derrubar
o PT e, especialmente, colocar Lula na cadeia. A estratégia de deslocar todo o
foco para as supostas conversas entre Moro e Dallagnol, no entanto, não é capaz
de derrubar o enorme conjunto probatório que a força-tarefa construiu ao longo
de anos de investigação laboriosa, e que embasou as sentenças de Moro e do
Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, em processos nos quais a defesa teve
todas as oportunidades de se manifestar. Restaria, portanto, à defesa dos
articuladores do petrolão tentar anular processos alegando violações de conduta
da parte de investigadores e julgador. As mensagens tornariam isso possível?
Tendo em mente apenas o
que foi divulgado até o momento, é preciso analisar o caso sob duas óticas. A
primeira diz respeito à obtenção das mensagens, e aqui não há a menor dúvida de
que houve crime da parte de quem invadiu os celulares das autoridades, do
eventual mandante da invasão e de quem as distribuiu para o site The Intercept.
O mesmo não se pode dizer dos jornalistas que publicaram as reportagens; eles
estão exercendo seu direito à liberdade de imprensa – se o fazem de forma
ética, é outra discussão – e têm inclusive garantido o sigilo da fonte, tanto
quanto um veículo que divulgue o conteúdo de outros vazamentos, inclusive ligados
aos processos da Lava Jato. A invasão de telefones de autoridades é um fato
gravíssimo, pois demonstra um grau de ousadia e domínio tecnológico que tem um
enorme potencial de instabilidade, e por isso merece apuração criteriosa da
Polícia Federal. E a ilegalidade envolvida na forma como as conversas foram
obtidas é tanta que chega a surpreender o fato de o Conselho Nacional do
Ministério Público, em decisão absurda, já ter aberto processo disciplinar
contra Dallagnol e outros procuradores da Lava Jato, apoiando-se em evidências
provenientes de violações da lei.
Quanto ao conteúdo das
mensagens, o que foi divulgado até o momento – pois Glenn Greenwald, fundador
do Intercept e um dos jornalistas que assinam as reportagens, diz haver mais
conversas ainda não publicadas – não nos permite endossar nem a narrativa de
parcialidade, nem a de trabalho conjunto entre acusador e julgador, nem aquela
que vê violações dos códigos que regem o comportamento da magistratura e dos
membros do Ministério Público. A realidade da Justiça brasileira, e que
qualquer advogado conhece, é uma em que juízes, acusação e defesa não dialogam
apenas nos autos dos processos, algo que vem sendo ressaltado na repercussão da
divulgação das conversas.
Os supostos diálogos
mostram, sim, o que seria uma proximidade entre juiz e procurador, talvez até
maior que o observado costumeiramente, mas qualquer conclusão até o momento
será totalmente precipitada. Isso porque, como lembramos, mesmo dias depois do
início da publicação das reportagens, ainda não surgiu nem mesmo a comprovação
de que as mensagens trocadas foram efetivamente enviadas por Moro e Dallagnol.
E, ainda que surja essa prova, será preciso ter acesso à íntegra das conversas
– ou seja, sem omissões de trechos que poderiam até mesmo demonstrar que os
interlocutores procederam de forma correta. Entre os supostos diálogos já
divulgados, há aqueles que revelam certa imprudência de juiz e procurador,
sendo eles os reais autores? Talvez. Há violação do devido processo legal? Só a
análise do conteúdo integral permitiria chegar a essa conclusão, o que ainda
não é possível fazer.
Gazeta do Povo – 12.06.2019
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