Lampejo de bom senso
Segundas-feiras não
costumam ser dias movimentados no Congresso Nacional, já que não há sessões e
os parlamentares normalmente estão em seus estados. Mas o último dia 3 foi bem
diferente. Dos 81 senadores, 68 compareceram para a sessão final do esforço
feito nos últimos dias para aprovar medidas provisórias publicadas no fim do
governo de Michel Temer e no início do mandato de Jair Bolsonaro. São textos que
perderiam a validade caso não fossem aprovados, e a última leva dessas MPs
expiraria justamente ao fim da segunda-feira, levando o Senado a convocar uma
sessão extraordinária. Algumas delas efetivamente caducaram mesmo tratando de
temas importantes, como a do saneamento básico e a da regularização ambiental;
mas o governo conseguiu uma vitória importante ao ver aprovada a MP 871, que
prevê o pente-fino nos benefícios do INSS para combater fraudes.
A importância do tema –
afinal, brechas e benefícios indevidamente concedidos representam um ralo pelo
qual escorrem até R$ 10 bilhões todo ano – era indiscutível, e os 12 votos
contrários se deveram mais a detalhes do texto que a discordâncias profundas
sobre a necessidade de fiscalizar os pagamentos. O PT alegou que a MP retira
poderes dos sindicatos de trabalhadores rurais, e o bloco liderado por Randolfe
Rodrigues (Rede-AP) considerava que o assunto deveria ter sido objeto de uma
portaria do INSS, e não de uma MP. A sessão desta segunda-feira, portanto, merece
destaque pela relevância da medida aprovada, mas também por demonstrar que um
esforço de articulação para aprovar reformas importantes para o país pode
ocorrer sem o recurso aos velhos expedientes de governos anteriores.
O governo soube negociar
com o Congresso de
forma muito mais tranquila em comparação com
o que vinha
fazendo até agora
Mérito, principalmente, do
presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP) e do vice-presidente, Antonio
Anastasia (PSDB-MG) – o tucano presidia a sessão da quinta-feira passada, em
que não houve quórum para votar a MP 871, e foi ele quem teve a iniciativa de
convocar a sessão extraordinária; informado, Alcolumbre fez a articulação com
os demais líderes das bancadas para garantir a presença dos senadores. Mas
mérito, também, de deputados governistas e do Planalto, que souberam convencer
os colegas da outra casa legislativa sem recorrer à hostilidade que às vezes
marca as discussões na capital federal.
O clima mais cordial que
marcou as movimentações em torno da MP 871 é bem-vindo, mas não esconde que
todo o processo envolvendo as medidas provisórias tem problemas sérios. Um
deles, já bastante conhecido, é o próprio uso abusivo das MPs, prática adotada
por todo presidente da República desde que o instrumento foi criado e que às
vezes prejudica as relações entre Executivo e Legislativo. Mas os últimos dias
mostraram que o trâmite das MPs leva a rusgas dentro do próprio Congresso. O
caso mais emblemático foi o da MP 863, a das empresas aéreas. O Senado teve
apenas um dia para discutir e votar o texto antes que ele caducasse, o que
provocou críticas ácidas de senadores à Câmara e a seu presidente, Rodrigo Maia
(DEM-RJ), que estariam enxergando o Senado apenas como “carimbador” das
decisões tomadas pelos deputados. Isso ocorre porque o artigo 62 da
Constituição determina que o Congresso tem 60 dias para votar as MPs, sem
prazos separados para cada casa. Em um aceno ao Senado, Maia colocou na pauta
da Câmara uma PEC de 2011 que dá prazos específicos para Câmara e Senado,
evitando situações como a da MP 871.
O esforço para a análise
das MPs termina com saldo favorável ao governo, que conseguiu aprovar não
apenas o pente-fino no INSS, mas também a reestruturação dos ministérios
(apesar da derrota no caso do Coaf) e a abertura do mercado aéreo ao capital
estrangeiro (também com um revés, sobre a franquia de bagagem, que pode
desestimular as empresas low cost). Para chegar a esse resultado, evidentemente
foi preciso negociar, por exemplo abrindo mão de outras MPs e comprometendo-se
com a inclusão de alguns itens em futuros projetos de lei ou reformas. O
governo, felizmente, soube fazer isso com muito mais tranquilidade em
comparação com as rusgas anteriores em torno de outros assuntos. O país espera
que o bom senso demonstrado nesses últimos dias pelas forças políticas em
Brasília prevaleça também quando for o momento de votar as grandes reformas
econômicas, especialmente a da Previdência.
Gazeta do Povo – 05.06.2019
Nenhum comentário:
Postar um comentário