Moro desafia: ‘Se quiserem
publicar
tudo, publiquem. Não tem problema’
O ministro da Justiça e
Segurança Pública, Sérgio
Moro, afirmou ao Estado que
não vai se afastar do cargo. Alvo de ataque cibernético e de vazamento de
diálogos atribuídos a ele com procuradores da Lava Jato,
no Telegram,
Moro disse que o País está diante de “um crime em andamento”, promovido,
conforme sua avaliação, por uma organização criminosa profissional. Moro
afirmou que não há riscos de anulação
do processo do triplex do Guarujá, que levou à prisão do
ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva.
O ex-juiz da Operação Lava
Jato vê viés político-partidário na divulgação das mensagens tiradas de
aplicativo do coordenador da força-tarefa em Curitiba, Deltan Dallagnol.
Ele falou em “sensacionalismo” e disse que réus e investigados da Lava Jato
teriam interesse no caso. O ministro não reconhece a autenticidade das
mensagens e, na primeira entrevista após ter virado
alvo dos hackers, desafiou a divulgação completa do material.
Ele afirmou ainda não ver
ilicitude nos diálogos e disse que conversava “normalmente” também com
advogados e delegados, inclusive por aplicativos. Em quase uma hora de conversa
em seu gabinete em Brasília, Moro descartou impactos do caso para o governo
Jair Bolsonaro e para o pacote anticrime, que defende no Congresso. A seguir, alguns
dos principais trechos da entrevista.
Estadão: O sr. está preocupado, está dormindo em paz?
Sérgio
Moro: Fui vítima de um
ataque criminoso de hackers. Clonaram meu telefone, tentaram obter dados do meu
aparelho celular, de aplicativos. Até onde tenho conhecimento, não foram
obtidos dados. Mas os procuradores foram vítimas de hackers e agora está
havendo essa divulgação indevida. Estou absolutamente tranquilo em relação à
natureza Das minhas comunicações. No fundo, esse processo da Lava Jato é um
processo muito complicado. É uma dinâmica dentro da 13.ª Vara Federal (em Curitiba), o dia inteiro
proferindo decisão urgente. E a gente recebia procurador, advogado, a gente
falava com advogado, falava com todo mundo. E, eventualmente, utilizava aplicativos
de mensagem para tratar isso de maneira dinâmica maior. Mas, quanto à natureza
das minhas comunicações, estou absolutamente tranquilo.
Estadão: Recebia demandas de advogados?
Moro: Sim, recebia. Procuradores, advogados, o tempo
todo. É normal trocar informação, claro, dentro da licitude. Mas, assim, o que
tem que se entender é que esses aplicativos de mensagens, eles apenas aceleram
a comunicação. Isso do juiz receber procuradores, delegados, conversar com
delegado, juiz receber advogados, receber demanda de advogados, acontece o
tempo todo. Às vezes chegava lá o Ministério Público: “Ah, vou pedir a prisão
preventiva do fulano X”. Às vezes, o juiz tem uma análise lá e fala: “Ó,
precisa de prova robusta para pedir a prisão preventiva”. Assim como o advogado
chega lá e diz: “Vou pedir a revogação da prisão preventiva do meu cliente”. Às
vezes o juiz fala: “Olha, o seu cliente está em uma situação difícil, seria
interessante demonstrar a correção do comportamento do cliente, afastar essa
suspeita”. Essa interlocução é muito comum. Sei que tem outros países que têm
práticas mais restritas, mas a tradição jurídica brasileira não impede o
contato pessoal e essas conversas entre juízes, advogados, delegados e
procuradores.
Estadão: Os próprios advogados usam a expressão embargos
auriculares quando vão conversar com o magistrado.
Moro: Tem essa expressão. Mas é muito comum. Na
dimensão da Lava Jato, com todas as diligências que eram ordenadas, às vezes
surgiam incidentes no meio dessas buscas, às vezes surgia a necessidade de
coisas muita urgentes, era comum você ser contatado, seja verbalmente, seja por
aplicativos, mas com demandas lícitas. A questão do aplicativo é apenas um
meio.
Estadão: Não contamina a Operação Lava Jato?
Moro: Não, de forma nenhuma. Depois de todas as
decisões, tudo era formalizado, colocado nos autos. Agora, existia às vezes
situações de urgência, eventualmente você está ali e faz um comentário de
alguma coisa que não tem nada a ver com o processo. Isso não tem nenhum
comprometimento das provas, das acusações, do papel separado entre o juiz, o
procurador e o advogado. Não existe também nenhuma espécie, vamos dizer assim…
Até ouvi uma expressão lá de que eu era “chefe da Lava Jato”, isso é uma
falsidade.
Estadão: Não houve conluio?
Moro: Não tem nada, nunca houve esse tipo de conluio.
Tanto assim, que muitas diligências requeridas pelo Ministério Público foram
indeferidas, várias prisões preventivas. O pessoal tem aquela impressão de que
o juiz Moro era muito rigoroso, mas muitas prisões preventivas foram
indeferidas, várias absolvições foram proferidas. Não existe conluio. Agora, a
dinâmica de um caso dessa dimensão leva a esse debate mais dinâmico, que às
vezes pode envolver essa troca de conversas pessoais ou por aplicativos. Mas é
só uma forma de acelerar o que vai ser decidido no processo.
Estadão: Pensou em se afastar do cargo?
Moro: Não, eu me afastaria se houvesse uma situação
que levasse à conclusão de que tenha havido um comportamento impróprio da minha
parte. Acho que é o contrário. Agora estou em uma outra situação, estou como
ministro da Justiça, não mais como juiz, mas tudo o que eu fiz naquele período
foi resultado de um trabalho difícil. E nós sempre agimos ali estritamente
conforme a lei. Qualquer situação, despido o sensacionalismo, está dentro da
legalidade. Conversar com procuradores, conversar com advogados, isso é
absolutamente normal.
Estadão: O presidente Bolsonaro o apoiou?
Moro: Sim, desde o início o presidente me apoiou.
Agora, esse foi um trabalho realizado enquanto eu não era ministro. Então não é
responsabilidade do atual governo. O presidente reconhece e já deu
demonstrações públicas nesse sentido de que não se vislumbra uma anormalidade
que se coloque em xeque a minha honestidade.
Estadão: O sr. se sentiu isolado?
Moro: Não, nós temos recebido muita manifestações de
apoio, de populares, de autoridades. Agora, existe um sensacionalismo que tenta
manipular a opinião pública. Pessoas que se servem de meios criminosos para
obter essas informações e nos atacar e a outras pessoas e que não veem um
problema ético em utilizar esse tipo de informação e fazer sensacionalismo. Por
que não apresenta desde logo tudo? Se tem irregularidade mesmo, tão graves,
apresenta tudo para uma autoridade independente que vai verificar a integridade
do material. Aí, sim, se a ideia é contribuir para fazer Justiça, então vamos
agir dessa forma. E não com esses mecanismos espúrios.
Estadão: O que o sr. vai dizer no Senado na próxima
semana?
Moro: Eu me coloquei à disposição para esclarecer, eu
não tenho nenhum receio do conteúdo de mensagens que eu tenha eventualmente
enviado ou recebido durante minha carreira profissional. Sempre me pautei pela
legalidade e estou me colocando à disposição para esclarecer no que eu posso.
Estadão: O sr. não teme novas publicações?
Moro: Não, pode ser que tenham novas publicações. Mas
assim, eu sempre pautei o meu trabalho pela legalidade. Os meus diálogos e as
minhas conversas com os procuradores, com advogados, com policiais, sempre caminharam
no âmbito da licitude. Não tem nada ali, fora sensacionalismo barato.
Estadão: O caso pode prejudicar uma futura indicação do sr.
ao Supremo?
Moro: Nem penso nisso. Não tem vaga no momento. Não faz
sentido. Nunca vi no passado se discutir vagas no Supremo sem estarem abertas.
É algo que não está no meu radar.
Fonte/Fotos: Estadão
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